sábado, 31 de outubro de 2020

Você é treinado ou capacitado?

Treinar e capacitar são dois fenômenos muito típicas das atividades de gestão de recursos humanos. Ali, naturalmente, denotam duas coisas infinitamente diferentes, mas ambas voltadas para o mesmo alvo. Do ponto de vista da psicologia, são também distintos, mas para alvos completamente diferentes. Um terceiro ponto de vista pode ser aí adicionado, para dar sentido não apenas à visão gerencial e psicológica, mas a todas as demais, assim como todos os focos. Essa visão é a espiritual. Que nada tem a ver com religião, é bom que se advirta antes.

Comecemos com o desafio de treinar. Dizem que Oscar Schmidt, o jogador de basquete conhecido também como Mão Santa, começou a se interessar pelo esporte já em idade avançada para isso. Como gostou assim que experimentou, começou a sua dedicação. A partir daquele momento, todos os dias, durante todas as semanas, durante muitos e muitos anos, procurou dominar cada jogada, cada forma de pegar na bola, cada maneira de atirá-la, cada tipo de marcação e assim por diante. Depois que seus colegas iam para casa, ficava horas e horas ali, treinando, treinando, treinando. Sozinho, na maioria das vezes.

Dizem relatos mais eufóricos que Mão Santa chegava a repetir, em um único dia, 5 mil lançamentos da bola à cesta. Os mais céticos contradizem essa euforia. Ficava apenas entre 3 e 3,5 mil tentativas de fazer cesta de 3 pontos! A vida do atleta passou a ser treinar, treinar, treinar. Em equipe, treinava posicionamentos, passes, recepções e assim por diante; sozinho, treinava cestas de 3 pontos. E como o que mais fazia era treinar cestas de 3 pontos, mais do que qualquer ser humano no planeta, o resultado não poderia ser diferente: ele é o maior cestinha da história!

Outro gênio, e todos os demais, teve comportamento semelhante. Pelé treinava com seus companheiros durante o "expediente" normal. Depois, permanecia sozinho no campo ou com alguns amigos treinando cobranças de faltas, pênaltis, escanteios. Também treinava e gostava muito de ser o goleiro. Quando treinavam apenas pela manhã, o autor dos mil e poucos gols voltava depois do almoço e ficava até a noite treinando. Todos os dias que não tinha jogo era assim. Fez-se não apenas o maior jogador de futebol da história (naturalmente que contestado pelos irmãos argentinos), mas também o atleta do século.

O que queremos mostrar é que a dedicação, não tenha dúvidas disso, leva qualquer pessoa, literalmente qualquer pessoa, aos píncaros da glória. Repetir, repetir, repetir muitas e muitas vezes a mesma coisa leva os indivíduos à beira da perfeição. Um enxadrista, por exemplo, consegue prever inúmeras jogadas possíveis a partir de um uma única movimentação do seu adversário. Papagaios, em outro extremo, conseguem falar tal qual um ser humano aquelas palavras e frases que lhe são ensaiadas e repetidas inúmeras vezes.

Uma funcionária de uma escola era considerada exemplar pelos seus proprietários. Todas as negociações, eles se gabavam, eram feitas de uma forma tal que os pais de alunos pagavam logo a mensalidade, quase sem atraso no pagamento das demais. Fui matricular meus filhos e tive que lidar com a funcionária exemplar. Como esperado, assim que ela começava a falar eu era capaz de adivinhar a próxima palavra a ser pronunciada. Eu conseguia adivinhar até o próximo argumento. Não foi fácil para eu descobrir o esquema mental dela. Aquela servidora tinha sido treinada.

Uma professora teve o desafio de substituir a diretora de outra escola durante um longo período de enfermidade. Um amigo precisou trocar seus filhos de escola e aquela instituição lhe foi indicada. Durante as duas horas que permaneceu ali, a diretora a substituta o acompanhou o tempo todo. Suas palavras e expressões corporais todas estavam voltada para o conforto daquele pai em relação à segurança de seus filhos na escola e na qualidade do ensino que receberia. Todo o material didático lhe foi mostrado, detalhada a estratégia principal de ensino-aprendizado, os cidadãos ilustres que por ali passaram lhe foram apontados.

O pai, preocupado com o custo de todo aquele zelo, perguntou quanto era a mensalidade. A professora apenas lhe disse que era um investimento que ele não teria nenhuma dificuldade em pagar. De fato, apesar da mensalidade estar no patamar mais elevado da cidade, a professora organizou de uma forma tal os investimentos que meu colega conseguiu fazê-lo sem grandes preocupações. Toda a negociação financeira não demorou 20 minutos das duas horas em que meu amigo ali esteve. A professora não foi treinada. Ela foi capacitada para ser diretora.

Qual é a diferença, então? Em todas as visões, particularistas ou generalistas, o que valem são ou os resultados ou as maneiras como eles são alcançados. O indivíduo treinado repete aquilo que ele sabe fazer com perfeição. Ele não consegue dialogar, porque dialogar exige o reconhecimento da integridade e integralidade de quem está do outro lado, provocando a necessidade da alteridade. Quem é treinado não consegue se colocar na posição do outro, não consegue imaginar as necessidades de quem está à sua frente. A preocupação do indivíduo treinado é com o êxito, o sucesso. E a forma como faz isso é quase sempre única, seus métodos são bastante limitados, reduzidos em variedades. Se diversificar, ele se perde.

Quem é capacitado foca o resultado, naturalmente, mas vive intensamente o percurso que o levará até ele. A diretora tinha tanta felicidade em descrever e apresentar os recursos da escola que contagiava o meu amigo. Não era preciso muito esforço para perceber que ela estava vivendo cada momento, cada segundo, como se fosse um relato de vivências que ela viveu inúmeras vezes, e todas as vezes essas vivências foram vividas com satisfação. Era a somatória de todas essas satisfações que parecia transbordar pelas suas bocas e olhos. Interessava a ela, ainda que inconscientemente, que o pai dos futuros alunos sentisse um pouco dessa vivência.

A diretora substituta focava o resultado, que era a matrícula das crianças na escola. O resultado era o foco de suas atitudes. Diferentemente, a funcionária exemplar via em cada indivíduo que ela atendia apenas um número a mais na quantidade de alunos na sala de aula, no montante de receitas de mensalidade e das inúmeras taxas que se tem que pagar, no seu percentual sobre as mensalidades pagas em dia e assim por diante. A professora falava da possibilidade de tirar cópia das páginas do livro didático para que as crianças pudessem acompanhar as aulas, enquanto o livro não estivesse disponível; os canais de comunicação com os professores e profissionais do setor pedagógico; como levar com rapidez as crianças para as unidades de saúde; dentre inúmeras outras questões de preocupação familiar.

Ser capacitada, como o próprio termo indica, é ser capaz de fazer o bem. Isso não quer dizer que aumentar as receitas da escola não seja um bem, pelo contrário. Mas é preciso compreender que as receitas em si não são um bem. A funcionária deveria raciocinar ao contrário: é fazendo o bem que as receitas se elevam. Mas, para fazer o bem, é preciso ser capacitado para tal. E essa capacitação é decorrente do poder que as pessoas têm de resolver problemas dos outros.

O treinamento traz a glória para o indivíduo. A capacitação a traz para todos os comprometidos no desafio. A diretora trabalhava pela coletividade, o que incluía os possíveis futuros parceiros, que eram os pais de alunos à procura de matrícula para seus filhos. A funcionária exemplar via os pais como clientes, o que não é uma coisa ruim, que pagariam as aulas que seus filhos receberiam; a diretoria os via como parceiros no esforço de tornar seus filhos cidadãos de bem. Infelizmente, muitos funcionários exemplares existem que ainda não conseguiram sequer ver os outros como clientes, fazendo valer cada centavo de seu dinheiro investido nos produtos e serviços que deveriam lhes entregar em troca.

As atitudes da professora não eram muito diferentes das praticadas por Oscar Schmidt e Edson Arantes do Nascimento, os cidadãos do mundo. Os três treinaram a realização de suas responsabilidades visando a um bem maior, do outro e da coletividade. A professora via futuros cidadãos maravilhosos; Pelé e Mão Santa, uma equipe saudável nas vitórias e derrotas de suas equipes. A funcionária exemplar via seu percentual financeiro nas mensalidades e o aumento das receitas de sua instituição.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O Mundo Não é como Tu o Vês

Confiamos demais nos nossos sentidos. Olhamos para o céu e o vemos da cor azul celeste, mas também o vemos cinza-escuro, como nos prenúncios de tempestades. Nos crepúsculos podemos vê-lo amarelado, outras vezes até arroseado e amarronzado. Mas, por incrível que isso possa parecer, essas diferentes visões apontam justamente na enormidade de possibilidades de manifestações visuais do nosso astro. Enormidade significa que ele não é de apenas um jeito. As coisas mudam o tempo todo. E os nossos sentidos começam a nos enganar.

Para que a gente entenda por que o mundo não é do jeito que a gente vê, é preciso que compreendamos três coisas. A primeira é o óbvio, que tudo muda. O sol muda de cores durante todo o dia. Mas ele não muda apenas de cores, muda todos os seus componentes a cada segundo. Por exemplo, seu estoque de oxigênio está se esgotando e se transformando em hélio. Mas isso não percebemos olhamos para o céu azulzinho, provocado justamente pela luminosidade do nosso astro-rei.

A cada segundo, o sol expele, coloca para fora, milhões e milhões de tonelada de sua massa em forma de jatos de plasmas. Além disso, faz jorrar material radiativo o tempo todo, que atinge todos os componentes do sistema solar. Essa dinâmica toda não é percebida pelos nossos sentidos. Quando falamos do sol, falamos apenas de uma ideia muito deformada dele. Na verdade, não o conhecemos.

O segundo motivo é a consequência da primeira: cada um de nós muda o tempo todo. Ainda que não percebamos, o tempo todo estamos aprendendo. E é por meio do aprendizado que cada componente do nosso corpo, por exemplo, é provocado e instado a mudar. Como eles mudam, mudamos nós também, inclusive e principalmente, o nosso corpo mental.

Se na infância víamos o sol de forma amorosa e romântica, para quem é obrigado a trabalhar sob sua intensa luminosidade aquele romantismo pode se ter transformado em dor. Não é fácil nem para o corpo e nem para a mente suportar altas temperaturas sem que acelere sua destruição. Nosso corpo muda e muda a nossa percepção das coisas.

O terceiro motivo é tanto consequência quanto inferência das duas primeiras: ninguém é igual ao outro. João é diferente de Maria não apenas no sexo (gênero não existe), mas fundamentalmente pelo seu estoque de vivências e aprendizados. Traumas, por exemplo, fazem as pessoas terem sentimentos diferentes das outras em relação à mesma coisa. Tem gente adulta que tem pavor de gatos, enquanto outras os amam com devoção.

Gêmeos univitelinos que apresentam quase todo o material genético parecido são extremamente diferentes em muitas coisas (e parecidos em poucas delas). Podem apresentar sentimentos diferentes e pensar de formas antagônicas, por exemplo. Ainda que sejam 99% iguais em termos genéticos, são praticamente 99% diferentes em termos de percepção e compreensão dos fatos e fenômenos do mundo.

O mundo jamais é do jeito que a gente pensa que é. O que vale para o sol vale para tudo. A árvore não é do jeito que a gente a vê e muito menos os políticos que nos governam. Não dá sequer para imaginar o que se passa na cabeça de um único deles, imagina de um partido todo! Ainda que utilizemos todos os recursos tecnológicos disponíveis, não dá para entender tudo de uma castanheira.

Se o pensamento de Maria é parecido com o de José, isso é apenas aparência. Na verdade, é o que eu imagino, que é outra forma de ilusão. É ilusão porque desconheço tanto o pensamento de Maria quanto o de José e mais ainda como o pensamento de cada um acontece dentro de seus corpos físico e mental. Se eu não sei de fato e chego a uma conclusão sobre o que eu não sei, essa conclusão é apenas uma especulação, que é outra forma de me iludir.

Ainda que Maria e José me dissessem quais são os seus pensamentos e como eles pensam, ainda assim isso não passaria de ilusão. Ninguém conhece a si mesmo a ponto de dizer coisas como essas com exatidão. Elas expressam apenas o que sentem, suas impressões do sentido, que são coisas completamente diferentes da realidade como ela é.

Uma coisa é o que eu penso sobre João, que pode me parecer a pessoa mais bondosa do mundo. Mas, de fato João só será assim se ele permanecer assim para sempre e eu tivesse a capacidade de não mudar a minha forma de imaginar sobre como as coisas são. Como eu mudo e as coisas do mundo também, sou obrigado a aceitar o que os outros me dizem, confiando neles, para que eu possa ter certa segurança sobre as coisas da vida e possa conviver com as pessoas. 

Mas essa confiança deve ser sempre seguida de uma certa desconfiança. Por quê? Por que as pessoas são sempre desonestas? Não. Porque as pessoas se enganam. Seus sentidos as levam ao engano, tanto sobre as coisas do mundo quanto sobre elas mesmas. Quantas e quantas vezes já imaginamos sermos capazes de fazer certa coisa e, na hora H, fracassamos?

Mas isso quer dizer que não vemos a realidade? Que tudo o que vemos é falso? A resposta mais adequada é um sono Não. O que vemos e sentimos também fazem parte da realidade. Mas são partes parciais, com o perdão do pleonasmo. Não devemos confiar perdidamente no que vemos, sentimos ou pensamos. Por exemplo, se alguém gosta do partido político A e eu gosto de C não significa que A é ruim e o meu bom. Todos têm o mesmo direito de gostar do partido Z, WQ e qualquer outro, tanto quanto eu do meu.

Queremos mostrar que todos veem apenas uma parte da realidade. Ninguém pode se aventurar a ser o rei da verdade. O que o menos escolarizado ser humano disser não pode ser tomado como inferior ao que disser o mais alto PhD em Astronomia. Um pescador analfabeto pode ser um gênio da pescaria, tanto quanto o doutor o é em relação ao universo.

Respeitar o que o outro sabe é ser sábio. E essa sabedoria vem justamente da compreensão de que o que vemos é apenas parte do real e que a compreensão do outro me ajuda a aumentar a minha própria compreensão. Assim, ao invés de eu querer me achar mais entendido que o outro, devo compartilhar com ele o que eu sei e receber com toda grandeza o conhecimento dele, para que eu possa melhorar o meu. Simples assim.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Vem com a Solução

O mundo está repleto de pessoas que preferem passar pela exagerada porta dos sentimentos inferiores do que pelo crivo depurador da sobriedade. Por essa razão criticam sem conhecer, reclamam sem compreender, rejeitam sem ajudar, isolam-se sem se darem chances de se conhecer. Tudo isso leva à confirmação de que não sabem que a vida, o que inclui as suas, carece de solução, não de destruição.

Uma vez ouvi de um amigo a confissão tristonha de que sua esposa não é como imaginava. E citou como exemplo o fato de que ela não conseguia deixar o banheiro limpo todos os dias. Quando ia tomar banho, estava tudo sujo. Era preciso, todos os dias, chamar a atenção da ocupada esposa para que fizesse a limpeza. Meu amigo quase desmaiou quando eu lhe perguntei: "E por que você não limpa, já que ela esquece todos os dias de fazer a limpeza?".

Esse exemplo mostra uma situação corriqueira em que a pessoa que reclama não percebe que sua infelicidade ou descontentamento é facilmente superada, resolvida. Basta que ela tenha um pouco mais de capacidade perceptiva e desloque o seu raciocínio da "obrigação de alguém" para a "necessidade de limpeza". Quando se raciocina com a obrigação, que nunca é de quem reclama, a infelicidade vai perdurar até que a pessoa reclamada possa suprir aquela necessidade. Mas, se o raciocínio focar a necessidade de alguma coisa acontecer, as coisas mudam de figura e colocam o reclamante no centro das atenções e o impulsionam para a ação.

Uma história incrível aconteceu quando um dos gerentes de uma empresa fez ácidas críticas ao paciente proprietário sobre as supostas conduções inadequadas do negócio que o fundador estava fazendo. Aquele homem simpático ouviu tudo com atenção. No final, fez a seguinte proposta ao seu crítico: "Você não quer assumir a presidência por pelo menos um mês e tentar executar o que você faz?". Surpreso e feliz pela oportunidade de assumir o comando da organização, que era o seu sonho, o gerente aceitou imediatamente.

As ações que recomendava ao proprietário logo começaram a surgir efeitos. Os dois principais fornecedores da empresa passaram a não fazer mais os suprimentos pelas novas políticas adotadas; o gerente de finanças e o de produção pediram demissão; os funcionários reduziram suas produtividades como represália aos cortes de alguns de seus benefícios; e os clientes passaram a fazer menos pedidos devido à redução dos prazos de pagamentos. Em duas semanas o crítico teve que ser retirado da presidência e demitido. Sua presença não era mais bem visto na empresa, apesar do sentimento amoroso que o proprietário tinha por ele.

Esse exemplo mostra que aquilo que falamos não é solução. O discurso quase sempre está em desconexão com a realidade. É apenas o que pensamos. Mas o pensamento precisa passar pelo crivo da racionalidade, da razoabilidade e da sobriedade. Foi o que faltou ao gerente que aspirava à presidência da empresa. Suas soluções eram apenas discursos. Ele não as testou antes, não fez simulações, para ver se elas realmente funcionavam. Na prática, deveria ter agido de outra forma, em parceria com o proprietário, para que pudessem, juntos, aos poucos, testar cada uma das suas alternativas. Isso teria evitado o fracasso.

Um professor de história vivia fazendo críticas  horrendas ao dirigente da instituição onde trabalhava. O diretor seria tirano, irresponsável, incompetente, fascista e assim por diante. Outra instituição, vendo nele um suposto líder, o convidou para dirigir uma de suas unidades, convite aceito prontamente. Teria a oportunidade de mostrar como se dirige uma instituição. Já nos primeiros dias percebeu que as pessoas não são fáceis de serem conduzidas, que poucas cumprem com suas obrigações, que outras precisam de recompensas constantes para agir e que na primeira oportunidade até seus ajudantes imediatos começaram a falar mal dele.

Na segunda semana o crítico começou a sentir o peso das denúncias e reclamações dos pais dos alunos. Começou a responder a dois processos criminais e três cíveis, dividindo seu tempo entre a instituição e a justiça. Outra parte do tempo era dedicado ao entendimento com os fornecedores de energia e água, além das obrigações tributárias municipais e federais, coisas de que nunca tinha ouvido falar. No início da terceira semana as críticas se voltaram para tudo na boca daquele diretor infeliz e o fizeram pedir demissão. Sentia uma enorme paz sendo apenas professor, como se um mundo tivesse sido retirado de suas costas.

Os críticos são incapazes de imaginar os desafios e adversidades próprias de determinadas posições. Ser diretor tem uma enormidade delas, assim como ser esposo e esposa. Meu amigo descobriu, por exemplo, que ele não desempenhava quase nenhuma de suas funções de marido, e as que realizava não as fazia adequadamente. Se alguém teria que reclamar, era sua esposa, não ele. Da mesma forma, se alguém teria que reclamar era o diretor da escola que o professor trabalhava, porque ele, o professor, não cumprir com suas funções adequadamente.

Esses casos mostram que reclamações, críticas, rejeições, descontentamento são diversos tipos de sentimentos inferiores. As pessoas que agem assim o fazem, muitas vezes, não por desonestidade ou maldade, mas por pura e simples ignorância, infantilidade. Se não fossem ignorantes, se tivessem conhecimento, perceberiam que tudo isso é perda de tempo. Ao invés de reclamar, criticar, rejeitar e ficar descontente, o correto é ir lá e fazer. Ao invés de fazer aparecer a inferioridade de seus sentimentos, o correto é solucionar o problema. Essas pessoas, portanto, não sabem agir porque não reconhecem que aquele é o momento exato da ação que não praticam.

Mas por que as pessoas reclamam, criticam, rejeitam e se descontentam? Por duas razões. A primeira é porque não sabem consertar o que consideram errado e, portanto, não têm solução para a situação. O que externalizam, então, é justamente esse sentimento de inconformação por depender de outro para fazer aquilo que são capazes de fazer, mas não estão dispostas a aprender. A segunda é a falta de vontade de sair de sua suposta posição de conforto de apenas apontar defeitos, sem se comprometer no passo seguinte, de ajudar a solucionar.

As pessoas que agem assim merecem todo o nosso carinho porque precisam de ajuda. Precisam de ajuda principalmente para que comecem a gostar de si mesmas, a cuidar delas mesmas. Ainda não aprenderam que suas vidas dependem do que forem capazes de fazer. E isso inclui essa fantástica capacidade de solucionar problemas que todo ser humano tem.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

És sociável? Tens certeza?

Há uma confusão recorrente sobre o termo sociabilidade e sociável. Muita gente imagina dizer alô, oi ou tchau é ser sociável. Outros tomam a palavra como sinônima de enturmar, estar entre pessoas, o oposto de não estar sozinho, não ficar sozinho, especialmente em ambientes onde haja muita gente. Essa concepção equivocada pode gerar muitos conflitos.

João sempre foi uma pessoa com extrema capacidade de relacionamento. Falante, quase sempre era o centro das atenções dos lugares por onde passava. Galanteador, estava sempre atento a qualquer aspecto feminino para lançar algum de seus inusitados elogios. De grande humor, animava as pessoas com suas ironias e improvisos desconcertantes. Esse amigo era o exemplo quase perfeito do que se costuma chamar sociável.

Onde chegava, João não conseguia ficar um metro distante de outra pessoa. Na verdade, jamais alguém o viu sozinho. Sempre que alguém dele se lembrava era sempre em situações onde estava se destacando pelas suas características de falante, galanteador e cômico. Em nenhuma outra situação era lembrado, nem quando precisavam de qualquer pessoa para algum tipo de trabalho ou situação considerada séria. Sintetizando, o amigo não era uma pessoa séria. Não podia ser levado a sério.

Tempos depois se soube que aquela figura sociável (altamente sociável, como muitos diziam) cometeu suicídio. A carta deixada mostrava que ele agia daquela forma para encobrir sua enorme solidão. Era tão só e triste que não suportava sua própria companhia. Não conseguia ficar sozinho, portanto. Era um verdadeiro martírio quando voltava para casa, quase sempre bêbado, para não se ver a sós consigo mesmo.

José era considerado antissocial e até mesmo antipático. Nos encontros sociais, fazia apenas o protocolo, como muitos diziam. Falava com todos, nessas ocasiões, preferencialmente com um boa noite a todos. Quando visitavam alguém de sua família que não ele, fazia as saudações normais e depois se retirava, deixando a visita a sós com quem ela veio visitar. Se interpelado, interagia com normalidade, no menor espaço de tempo possível.

Esse amigo era envolvido com inúmeros projetos e ações. Participava ativamente de diversos grupos de estudos sobre meio ambiente, através do qual ajudava a recuperar ambientes degradados e a cuidar de animais retirados de seus ambientes naturais. Trabalhava com cobrança de tributos e por essa razão conhecia muita gente nas diversas comunidades de sua cidade. E dava atenção especial para aquelas que viviam nas ruas, com aquisição de alimentos e vestimentas que pudessem aliviar um pouco o sofrimento dessas pessoas.

Diversas vezes José foi visto praticando essas ações, ajudando aos outros, cuidando do meio ambiente. Sua concentração era tanta para fazer essas coisas bem feitas que parecia esquecer quem estava a seu lado. E isso, aos olhos dos outros, era sinônimo de antissociabilidade. Com sua família, era um pai e filho normal, mas reservava um tempo para meditar e conversar consigo mesmo.

Esses dois exemplos são prototípicos para diferenciar quem é e quem não é, de fato, sociável. O que distingue a sociabilidade da antissociabilidade é exatamente o significado da palavra social, que vem da palavra sócio, que, por sua vez, quer dizer companheiro, seguidor. E quem é o companheiro, afinal, se não aquele que cuida do outro? Se não aquele que, além de conviver, de estar ao lado, age sempre em benefício do outro?

Alguém sociável é, então, aquele que cuida do outro. É aquele que não deixa o outro sozinho em suas necessidades. É aquele que respeita a individualidade do outro e, portanto, sabe que todos precisam de um tempo para ficar sozinhos para dialogarem consigo mesmos. 

Se ser sociável é ser companheiro, é ser seguidor, a primeira companhia que ele conquista é a sua. O ser sociável, então, jamais será solitário, sozinho. Não porque esteja sempre junto de outras pessoas, mas fundamentalmente porque ama e preza a sua própria companhia. A sociabilidade começa e tem sua raiz no próprio indivíduo. Quem não é feliz consigo mesmo, quem não ama a si mesmo, não consegue ser feliz com o outro, ainda que esteja rodeado e seja o centro de bilhões de outras pessoas.

O indivíduo sociável não está com o outro porque precisa de companhia, mas porque é companhia necessária ao outro. Porque sabe que é capaz de ser companheiro quando o outro precisar. É por essa razão que a sociabilidade é sempre doação. É diferente, portanto, de João, que fazia palhaçada porque precisava de atenção. Era carente. E a carência lhe levava a essas atitudes extremas de ser engraçado a qualquer custo, de simular cavalheirismo, de não deixar que os outros falassem.

Por incrível que possa parecer, o indivíduo sociável age muitas vezes sem que os outros saibam. É um parceiro oculto, anônimo. O que lhe interessa não é a ação em si, mas o efeito dela em proveito do outro. É um companheiro de fato, especialmente diante das necessidades, quando até os amigos desaparecem. Ser sociável é ser capaz de ajudar de forma nobre e desinteressada

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Que te Importa, o Outro?

Nascemos com um defeito grave de fabricação: o de nos importar demasiado com os outros. Não estou me referindo às louváveis atitudes de ajudar a todos indistintamente, mas, sim, ao que tem de pior nos nossos comportamentos: ver apenas o que há de ruim nos outros. E isso é tão contagioso que desenvolvemos habilidades extremas de fazer isso. E, o que ainda é pior, chegamos ao ponto de achar que nossas mazelas são produzidas justamente por eles, os outros. Mas isso tem uma explicação surpreendente.

O sinal estava fechado. Diversos automóveis aguardavam em fila o sinal verde. De repente, uma caminhonete invade a pista contrária e passa em pleno sinal vermelho. Quase todos os motoristas que aguardavam o sinal abrir se revoltaram. E utilizaram as buzinas para fazer extravasar o seu descontentamento com a atitude daquele motorista. A ferocidade era tamanha que, imagina-se, se pegassem o moço que furou o sinal provavelmente o agrediriam.

Luzídio era um funcionário exemplar. Chegava todos os dias antes do horário de início do trabalho e saía depois que todas as suas tarefas tinham sido executadas. Quando tinha um tempinho vago, estava sempre disposto a ajudar os colegas, principalmente no preenchimento de informações financeiras. Ele trabalhava no departamento de pessoal de um órgão público. Era um servidor tão bom e conceituado, que ninguém se recusava a dar a sua senha profissional para ele ajudar. Luzídio foi assassinado quando descobriram que ele retirava todo mês menos de um real do salário de cada servidor.

Esses são dois extremos dessa doença que temos de culpar os outros pelas nossas mazelas. Se alguém fura o sinal, será que não passa pela cabeça de ninguém a possibilidade de o condutor estar indo prestar algum socorro, em que alguém correria risco de vida? Já aconteceu com um amigo fazer isso: teve um ataque cardíaco e acelerou em busca de atendimento médico. Se não tivesse infringido as leis de trânsito (das quais foi absolvido depois), certamente teria ido a óbito. No caso do servidor público, por que assassiná-lo? Certamente a justiça o faria devolver cada centavo retirado indevidamente de cada um.

Uma primeira explicação para isso é a tendência que as pessoas imaturas têm de encontrar um culpado para as suas inconsequências. Os culpados podem ser tanto outras pessoas, como no caso da pessoa que chegou atrasada ao trabalho porque o ônibus não parou para ela, quanto coisas. Há quem alegue não ter dormido direito porque a forte ventania fazia ranger a janela do seu quarto. Não lhe passava pela cabeça, por exemplo, passar um óleo na fechadura ou encostar a porta de forma mais vigorosa, que fizesse cessar o rangido.

Na verdade, a pessoa não percebe que quando age assim está dizendo, de diversas formas, que não tem maturidade o suficiente para assumir suas atitudes. "Aquela maldita pedra estava no meio do caminho e torceu o meu dedo" significa "não prestei atenção por onde andava e por isso tropecei na pedra". Mas, por incrível que pareça, a pessoa não tem a maturidade para admitir que estava andando desatenta.

Outro dia ouvi alguém dizer "eu não aguento mais ter que limpar a casa todo dia". A casa e a sujeira dela passaram a ser a causa da infelicidade dessa pessoa. Não passava jamais pela cabeça dela o fato de que casas e todo tipo de objeto se sujam. E quem não gosta de viver e conviver com sujeira tem que limpá-la. E se as coisas se sujarem todos os dias, todas as horas e todos os minutos, todos os dias, horas e minutos precisam ser limpas. Simples assim. Ser infeliz por causa disso por quê? Uma saída seria morar em um hotel, que teria funcionários para fazer a limpeza a todo instante...

A pessoa não percebe, portanto, que a "culpa" de suas infelicidades (porque são múltiplas) não é das pessoas a quem ela acusa e tampouco das coisas que ela condena. É ela, a própria pessoa, que é infeliz e repassa a sua infelicidade para as pessoas e coisas. É uma atitude cômoda que perpetua a infantilidade, mas que também gera infelicidade para quem compra a ideia infantil que ela conta.

A segunda explica é a vontade de fazer o que é proibido. Isso se aplica à quebra das regras que não fazemos, mas feita pelos outros. Se a pessoa atravessou com o sinal vermelho, o que é que eu tenho a ver com isso? Se a mulher traiu o marido, no que isso me interessa? Se alguém não está cumprindo o acordo feito, no que isso me toca?

Na verdade, quando alguém faz o que eu condeno, eu condeno justamente por isso: porque eu gostaria de fazer e não tenho coragem. Se eu condeno quem fura o sinal, é porque eu gostaria de fazer o mesmo; se eu me descontrolo com o marido que trai a esposa, é porque eu gostaria de fazer aquela traição; se eu perco a paciência com quem não cumpre o que promete, é porque eu gostaria muito de não cumprir os meus acordos. Simples assim.

Se as pessoas soubessem o que dizem quando reagem de forma desequilibrada emocionalmente ao culpar os outros, provavelmente jamais o fariam. Perceberiam que essas atitudes o fariam ou infantil ou criminosos em potencial. Lembro de várias pessoas que culpam os ex-amantes pelas suas infelicidades e finalizações de seus relacionamentos na frente dos amantes atuais. Pouco tempo depois falavam a mesma coisa dos que presenciavam suas denúncias. Um vizinho chegava a chorar de raiva quando lia notícias de pedofilia. Foi flagrado abusando de crianças da vizinhança e herdou 20 anos de prisão.

Se o descontrole emocional é quase sempre uma transferência de responsabilidade ou vontade reprimida de fazer o que é proibido, é bom que o indivíduo se conheça um pouco mais. É que a infantilidade tem um lado perverso: faz o indivíduo sofrer demais. Como a culpa está sempre no outro e o outro é difícil de mudar, a infelicidade tende a perpetuar. É assim que a mente inconsciente dessas pessoas age. Como os loucos jamais admitem que o são, a mente doentia jamais vai reconhecer que elas mesmas são as causas de suas desgraças, não os outros.

Há uma regra de ouro que ajuda muito a lidar com esse problema: só ligar para o outro, se for para fazer o bem a ele. Tudo o mais deve ser deixado de lado. Se alguém furou o sinal vermelho, tenho que imaginar algum bem naquilo - por exemplo, que ele estivesse indo socorrer alguém. Se a pessoa olhou de cara feia para mim, posso imaginar que ele não está bem - por exemplo, está com dor de barriga. Se alguém me deu um tapa, posso imaginar que fiz alguma coisa errada sem perceber ou que a pessoa agrediu a pessoa errada.

No início até parece absurdo, mas com o tempo a nossa mente vai se desapegando dos outros e passando para nós a responsabilidade pelas consequências dos nossos atos. Se o copo caiu da minha mão, é porque eu não o segurei direito, e não porque ele estava liso. Se quebrei o vidro da janela foi porque fui imprevidente ao segurar a escada, não porque a escada era pesada. Se perdi o ônibus ao ir para o trabalho foi porque não acordei mais cedo na parada.

Ainda que a justiça venha a reconhecer a responsabilidade de outro por alguma coisa que nos aconteça, de fato ela é sempre nossa. Certo dia fui processado por calúnia, difamação e injúria. A justiça me absolveu. No entanto, a "culpa" foi minha porque não fui previdente com os objetos que roubaram da minha casa, que gerou toda a série de desdobramentos que levaram ao processo.

Assumir as suas responsabilidade por tudo na vida é o que denota a maturidade de alguém. E tudo quer dizer tudo, absolutamente tudo. Até aquilo que comprovadamente não foi responsabilidade nossa. Afinal, tudo o que nos acontece de ruim tem sempre a nossa contribuição, diferentemente do que nos acontece de bom. Vigiar é a melhor atitude, como  já aconselhava um grande amigo há mais de dois mil anos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Vai e Faz

Juma ficava irritada todas as vezes que chegava ao escritório e copos estavam sobre a sua mesa. Seu sócio, quando recebia clientes e ficava várias horas após o expediente trabalhando, quase sempre os deixava por lá nas poucas vezes em que trabalhava até mais tarde. Juma ficava possessa. Será que ele não percebia que aquela não era uma atitude adequada?

João por vários dias brigou com a esposa por causa das roupas de cama com um cheiro suspeito. Era provável, imaginava ele, que algum de seus filhos pequenos tivesse feito xixi e vazado da fralda na cama. Mas não compreendia por que a mãe não as retirava e as colocava para lavar. Será que ela não estava percebendo aquele mau cheiro?

Muitas e muitas vezes sofremos em decorrência do que os outros fazem ou deixam de fazer. Na verdade, nenhum motivo há, de fato, para esses sofrimentos. Nada justifica a frustração e a tristeza derivadas do comportamento dos outros. Os outros têm todo o direito de fazer o que bem entenderem. Se fizerem coisas erradas, provavelmente a justiça se lhes será acionada; se fizerem coisas certa, é possível que sejam por isso bonificados.

Se alguém ganha na loteria e resolve doar todo o prêmio para os outros, que motivos eu tenho para contestar essa decisão? Se outro resolve se apaixonar pela pessoa que sabidamente é desonesta, porque devo interferir? Se o sócio deixa os copos em cima da mesa, por que isso seria motivo de descontrole das minhas emoções? Se alguém não consegue sentir o cheiro de xixi, isso é motivo de irritação minha? 

A ciência e as histórias de vida têm mostrado que as paixões descontroladas jamais levaram à mudança do comportamento dos outros. Diferente das atitudes, não se combate um suposto mal com um mal inquestionável. E são justamente as atitudes que devem ser acionadas, não para alterar o comportamento indesejado do outro, mas para retirar o suposto motivo do descontrole emocional.

Se os copos estão em cima da mesa e isso causa aborrecimento, retire-os. Se a roupa de cama está cheirando a xixi e isso incomoda, retire-a e/ou lave-as. Se as paredes da casa estão sujas e isso te causa descontrole, lave-as ou pinte-as. Se a comida do almoço não te cai bem, aprenda a cozinhar e faça-a todos os dias.

Certa vez o reitor de uma universidade entrou no banheiro dos homens e viu que uma torneira estava quebrada, jorrando água e inundando vários compartimentos. Imediatamente tirou o terno, retirou a gravata e a camisa e se pôs a cessar o jorro de água, no que foi bem sucedido. Em seguida acionou o pessoal da engenharia para providenciar o conserto definitivo.

Se o principal executivo de uma organização gigantesca é capaz de atitude semelhante, por que eu não seria? Depois que a instituição soube do ocorrido, divulgação feita pelos alunos e professores que estavam ali naquele momento vendo a atitude do reitor, praticamente todos louvaram a iniciativa. Tanto é assim que estou eu aqui a lembrar desse feito, mais de duas décadas depois.

Toda iniciativa desse porte é divina e louvável. É o que todos gostariam de fazer, mas, incrivelmente, não se sabe o porquê de não levá-lo a cabo. É formidável a atitude de alguém que recolhe o mendigo da rua e o leva para sua casa para tratar dele como se fosse parente seu, mas é impressionante que aquelas pessoas que mais se emocionam ao saber dessas ocorrências são aquelas que menos capazes são para fazer o que lhes emociona. É provável que a emoção não seja devido ao fato presenciado, mas pela consciência de sua incapacidade.

Fazia mais de mês que os funcionários entravam pelo portão quebrado da entrada principal e se contorciam um pouco, para que não se machucassem. Um deles, que estava a serviço na unidade de outro estado voltou e, ao entrar, percebeu o portão trincado. Deu meia volta e foi a uma pequena loja de material de construção da esquina, comprou uma nova dobradiça e substituiu a que estava com problema. Novamente todos poderiam entrar na empresa sem problemas.

O que esse servidor fez? Ele foi lá e fez. Simples assim. Ele não esperou que alguém o mandasse fazer, mesmo por que essa não era sua responsabilidades. Também não ficou xingando a empresa e os funcionários responsáveis pelo portão quebrado. E tampouco ficou resmungando pelos cantos pelo contorcionismo necessário para que pudesse entrar sem se ferir devido ao portão quebrado. Ele foi lá e fez.

Vai e faz. Não resmungue. Não esbraveje. Não xingue. Não culpe. Vá lá e faça.

Se os copos estão em cima da mesa, vá lá e os coloque no lugar. Se a roupa de cama está fedendo xixi, vá lá e as lave. Se seu chefe não lhe dá bom dia, dê bom dia a ele. Se seu marido não limpa as paredes da sala, vá lá e limpe-a ou pinte-a. Faça isso uma vez e tantas quantas forem necessárias, se isso lhe incomodar. Deixe o seu ambiente o mundo do jeito que você gosta. E isso só precisa de sua ação. Vá lá e faça.

Se você fizer isso, coisas milagrosas vão começar a acontecer. A primeira é que o tempo perdido com tristezas e frustrações vão diminuir muito. E com a possibilidade de desaparecer. A segunda é que você se tornará mais autônomo, independente, não precisará mais dos outros para que você se sinta bem. Você será capaz de preparar o caminho do seu sentir bem. A terceira é que você descobrirá inúmeras coisas que precisa aprender e que não sabe fazer. Isso lhe proporcionará mais conhecimentos e habilidades. E, quarta, como todo conhecimento e habilidade mudam o nosso comportamento, você se recobrirá de atitudes cada vez mais bela, o que levará ao quinto milagre, que é mais e mais pessoas gostarem de você.

Ir lá e fazer, portanto, é uma atitude simples que transforma completamente a vida da gente. Se você vive reclamando que não tem dinheiro, vai lá e aprende uma forma legal ter o dinheiro que você quer ter. Se vives triste porque não consegue o reconhecimento profissional que teus conhecimentos e habilidades permitem, vai lá e obtém outros conhecimentos e novas habilidades que te tragam o reconhecimento esperado. O que não vale é ficar parado, reclamando da vida e sendo infeliz. O tempo passa rápido. E logo já é chegada a hora da partida.

Vai lá e faz. Deixe o mundo mais parecido contigo. E seja feliz.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Triste Razão

 Há quem sonhe em ter muito dinheiro, como se esse bem pudesse sanar todos os problemas e dificuldades da vida. A vida vai mostrando, porém, que saber lidar com dinheiro é uma das grandes lições que se tem que aprender. E isso não é fácil. Muitos sucumbem fazendo do dinheiro o fim da própria vida, nos dois sentidos semânticos. Apenas aqueles que o tornam meio para fins mais nobres é que conseguem viver de forma menos atribulada. Mas a primeira coisa que se tem que entender é uma lógica simples, esquisita e triste.

Comecei a trabalhar muito cedo. Aos cinco anos já vendia tomates, vassouras, maxixe e outros produtos nas ruas de Alenquer. Mas foi pela altura dos dez anos de idade, quando já dominava completamente a arte de datilografar, que comecei a ter um retorno sistemático, em forma de dinheiro, do meu trabalho. Praticamente toda semana, eu recebia um pequeno pagamento pelas coisas que eu fazia.

Quando chegava em casa, entregava quase todo o dinheiro que eu tinha recebido para a minha mãe guardar. Ela era o meu banco, no sentido singelo de guardar o meu dinheiro. Nada de juros para mim e tampouco taxa bancária para ela. A ideia era simples: quando eu precisasse, bastava pedir para que ela me desse. Quase nunca perguntava para que eu queria o dinheiro que eu pedia.

A dinâmica era, portanto, toda semana lhe entregar um pouco de dinheiro e, ao longo da semana, quando eu precisasse, pedia e ela me atendia. Entrada e saída de recursos financeiros apenas. Contabilidade simples, cálculo fácil de fazer. Mas, na prática, as coisas não são bem simples assim.

Alguma coisa esquisita e triste acontece entre os intervalos de tempo em que nos prestamos a fazer um pequeno balanço da situação financeira. A esquisitice e tristeza é maior para quem está começando a lidar com dinheiro, como foi o meu caso e o caso da maioria das pessoas para quem eu contei a minha história.

Parece que a mente trabalha de uma forma a maximizar as entradas e a minimizar as saídas. Esclareço. Toda semana parecia ficar registrado na nossa mente, com bastante clareza, o quanto foi entregue ao banco (no meu caso, para a minha mãe), mas, inversamente proporcional, a própria mente se encarregava de apagar ou deixar apenas de forma sombria, nebulosa, aquelas retiradas que eu fazia. E o resultado disso era que, na minha mente, eu tinha mais dinheiro do que efetivamente tinha no bolso do vestido onde minha mãe guardava minhas economias.

Eu não anotava em nenhum papel o quanto eu entregava e o quanto eu retirava. Não tinha esse registro formal de entrada e saída de dinheiro. Deixava tudo sob a responsabilidade da minha mente. E isso também não me preocupava. Mas quando eu queria comprar algo que custava um pouco mais dinheiro, uma calça jeans, por exemplo, quase sempre minhas economias me deixavam na mão. Minha mãe me dizia simplesmente que faltava dinheiro. Mas minha mente me dizia o contrário. Não apenas me dizia o contrário, mas me levava e às vezes me forçava a desconfiar da honestidade da minha própria mãe, coisa veementemente repudiada e jamais obedecida por mim. 

Eu deixava a compra para outra ocasião. Mas ficava, naturalmente, com a pulga atrás da orelha, desconfiado. A desconfiança jamais fora em relação à dignidade de minha matrona. A curiosidade vinha como decorrência do desequilíbrio que minha mente apontava entre a entrada e a saída de recursos. Eu imaginava que tinha uma certa quantidade de dinheiro, porém a realidade me apontava outra.

Cresci um pouco e tive que sair de casa, para enfrentar o mundo. E trabalhei novamente. E novamente comecei a ganhar meu dinheirinho. Aqui a dinâmica era parecida, mas diferente ao mesmo tempo. O dinheiro entrava na minha conta bancária de verdade e eu o ia retirando ao longo do mês, para as necessidades da minha casa e pessoal. Como eu não tinha cheque especial, quando as retiradas zeravam a conta, os cheques começavam a voltar (naquele tempo havia essas coisas anacrônicas, que era um pedaço de papel com um certo valor anotado que as pessoas e empresas recebiam como pagamento a ser descontado em relações interbancárias). E começavam os problemas.

Eu comecei a desconfiar da honestidade do banco. Eu imaginava que o banco estava me roubando, contabilizando demais as minhas retiradas. Veio em mim a lembrança do que ocorria quando minha mãe era o meu banco. O que estaria acontecendo, afinal? E por que isso acontece?

Comecei a fazer anotações no canhoto do talão de cheques. Eu pegava o meu saldo no início do mês e ia diminuindo cada cheque ou retirada que eu fazia. Dessa forma eu comecei a saber com certa precisão quanto restava na minha conta bancária. Mas, ainda assim, o dinheiro na minha conta acabava antes do que indicavam as minhas anotações.

Um dia tive a ideia de gastar quase nada do meu salário. E assim o fiz. Apenas o essencial, o essencial mesmo, era comprado ou pago, como conta de luz e telefone. E resolvi pegar extratos semanais, para acompanhar o que estava acontecendo na minha conta. No final do mês, para minha surpresa, não detectei nada de anormal. Quer dizer, algo anormal aconteceu: mais da metade do meu salário estava lá na conta. E, o que é melhor, o mês tinha acabado. E ainda faltava entrar o salário!

Fiquei novamente com a pulga atrás da orelha. Algo esquisito estava acontecendo. Quer dizer, não estava mais acontecendo a esquisitice de sumir meu dinheiro da conta. Eu parecia jurar que quando a gente não presta atenção nas entradas e saídas de dinheiro, o dinheiro some; mas, se a gente controla tudo, tintim por tintim, diariamente, todo o tempo, o dinheiro fica lá. É claro que isso exige tempo e paciência. E, mais do que isso, determinação.

Depois de muito estudar (e praticar) finanças descobri, com um ramo da ciência chamado psicologia financeira ou econômica, que a mente nos surpreende de verdade. É ela que, através de determinados hormônios, faz abrandar o impacto das retiradas e mantém firmes as entradas, causando essa dissonância entre o que entra e o que sai de dinheiro, nos levando a desconfiar da honestidade dos outros. Na verdade, a ciência mostra que a primeira desconfiança tem que ser com a gente mesmo.

As riquezas materiais (e dentre elas as riquezas financeiras) são decorrentes da nossa determinação em controlar o que entra e o que sai. Quando essa determinação se torna um hábito, educamos a nossa mente para lidar com adequação com a dinâmica de entrada e saída de dinheiro. E só então compreenderemos que não é a honestidade ou desonestidade das pessoas que faz diminuir, aumentar ou permanecer constante o saldo de nossas contas, mas as nossas atitudes. Todo pobre financeiro é pobre mental e miserável em atitudes. É escravo de uma triste razão. Razão que teima em ter.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...