quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Autonomia

A palavra autonomia parece ser desconhecida da maioria daqueles que a pronunciam. E por não saberem o seu significado, não sabem, na prática, o que essa palavra pretende que entendamos. Isso quer dizer que quase todos querem ser autônomos, quase todos querem autonomia, mas não estão dispostos a pagar o preço para isso. A razão disso é simples de ser entendida: assim como tudo na vida, a autonomia tem um preço, que varia com a "quantidade e intensidade" pretendida. Quanto maior a pretensão, maior o preço a ser pago. Vejamos isso mais de perto.

Etimologicamente, o termo autonomia é a junção de "auto" + "nomia". "Auto", do grego, significa "a si mesmo" e "nomia" quer dizer regra, normal, lei. Ao pé da letra, quer dizer "lei feita por si mesmo". Isso pode dar a impressão de que autonomia é o poder que alguém (ou uma organização) tem para fazer o que bem entender, já que é capaz de criar suas próprias leis. Mas não é isso. Ou melhor, não é "bem" assim.

A palavra tem que ser vista e compreendida como o processo final do desenvolvimento integral humano. Esse processo se inicia na fase intrauterina, que se caracteriza por ser "anômica", ou seja, sem lei, sem norma ("a" = não, sem + "nomia" = lei, norma). Essa fase deveria terminar quando o indivíduo começasse a aprender a obedecer, que é a característica da fase seguinte, a heteronomia (que vem de "hetero" = outro + "nomia", lei, norma). Essa mudança se dá aos poucos, quando a família ensina às crianças o que é certo e errado, o que a leva à obediência.

Todo indivíduo precisa aprender a obedecer as normas familiares e da sociedade, principalmente para que possa ajudar a aperfeiçoá-las, uma das características do indivíduo autônomo. É que obedecer significa conhecer a lei, saber como colocá-la em prática e praticá-la sob quaisquer circunstâncias.

Existem leis das pessoas (heteronomia) e leis das comunidades (socionomia). A socionomia é a terceira etapa do desenvolvimento das pessoas, onde se aprende que todo grupo tem normas e que essas normas precisam ser obedecidas. Quando o indivíduo não obedece as normas do grupo, tende a ser alvo de algum tipo de punição, como o isolamento e a indiferença. Quando transgride (não obedece) regras formais da comunidade (leis), pode até sofre sanções penais.

Não obedecer às leis não denota apenas ignorância, mas sobretudo incivilidade, atitude antissocial, típica das crianças, e que é uma marca da fase de anomia. As normas podem ser mudadas. Para isso, há que se conhecer os procedimentos, que é outra característica do indivíduo autônomo. Sob nenhuma circunstância as leis podem ser infringidas.

Quando o indivíduo está na fase de heteronomia, as leis são criadas pelos outros (pais, familiares etc.) para que ele não se machuque. Por isso dizem que "não pode" colocar o dedo na tomada de energia, "não pode" subir na mesa e assim por diante. Quando se está na fase de socionomia, as leis precisam ser obedecidas para que o indivíduo não machuque os outros e seja protegido das ações dos outros. Por isso "não pode" andar sem cinto de segurança nos automóveis e "não pode" roubar.

A etapa de autonomia é uma consequência natural das anteriores. E agora é fácil entender. Depois que o indivíduo aprendeu a obedecer as regras individuais e sociais, percebe que suas ações podem lhe ferir ou ferir alguém. E o que ele faz? Bingo!!! Ele cria suas próprias leis para complementar as leis existentes. Nenhuma de suas leis pode ferir as leis atuais. Suas leis estão em consonância com elas.

Isso tem implicações sérias para a vida humana associada. Vejamos um exemplo importantíssimo. Não há nenhuma lei que diz que o indivíduo tem que prover sua subsistência, que tem que conseguir dinheiro honestamente para que possa viver. Quando alguém decide procurar emprego ou obter uma qualificação profissional, está se colocando uma lei, uma norma. Se o indivíduo não conseguir dinheiro para subsistir e alguém o fizer, está abrindo mão de sua autonomia.

O mesmo acontece quando arranja emprego. No exato instante em que assina o contrato de trabalho está dizendo que abre mão de sua autonomia durante determinado período de tempo e passa a obedecer a alguém (heteronomia) ou grupo de pessoas (socionomia). E isso acontece também durante várias etapas da vida. Se alguém adoece e no hospital lhe dizem que deve tomar certa medicação em determinados horários, obedecer ao médico é heteronomia e ao hospital, socionomia.

A mesma regra vale para organizações, como empresas privadas e públicas. A autonomia organizacional é a capacidade que a organização tem de ditar suas próprias normas, seguir suas próprias leis, sem descumprir as leis existentes. E não há autonomia com dependência financeira. Toda forma de dependência é uma comprovação explícita da falta de autonomia organizacional e individual. Se uma organização pública não gera seu próprio dinheiro, não é autônoma e, portanto, deve obedecer a quem lhe supre. Se o indivíduo não provém suas necessidades de dinheiro, deve obedecer a quem o faz. Simples assim.

No caso de organizações, é simples ser autônoma: basta que consiga gerar seu próprio dinheiro e seus recursos. Dinheiro é um tipo de recurso e recurso é tudo aquilo que um indivíduo ou organização precisa. Se o indivíduo precisa de um celular para se comunicar com seus amigos, o celular é um recurso; se precisa de dinheiro para ir ao cinema, dinheiro é outro tipo de recurso. O mesmo vale para as organizações. Se a organização não consegue pagar seus fornecedores e precisa do dinheiro do dono, deve obediência e ele; se a empresa pública não consegue, deve obediência ao governo.

Quase todas as formas de incapacidade autônoma é decorrente da incapacidade de gerar seu próprio dinheiro. Pelo menos não em quantidade suficiente para suprir todas as suas necessidades. Organizações que são capazes de fazê-lo tem o máximo de autonomia possível. O mesmo vale para pessoas, regra que vale até para crianças, que fazem suas infantilidades dominar os próprios pais.

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