segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Que te Importa, o Outro?

Nascemos com um defeito grave de fabricação: o de nos importar demasiado com os outros. Não estou me referindo às louváveis atitudes de ajudar a todos indistintamente, mas, sim, ao que tem de pior nos nossos comportamentos: ver apenas o que há de ruim nos outros. E isso é tão contagioso que desenvolvemos habilidades extremas de fazer isso. E, o que ainda é pior, chegamos ao ponto de achar que nossas mazelas são produzidas justamente por eles, os outros. Mas isso tem uma explicação surpreendente.

O sinal estava fechado. Diversos automóveis aguardavam em fila o sinal verde. De repente, uma caminhonete invade a pista contrária e passa em pleno sinal vermelho. Quase todos os motoristas que aguardavam o sinal abrir se revoltaram. E utilizaram as buzinas para fazer extravasar o seu descontentamento com a atitude daquele motorista. A ferocidade era tamanha que, imagina-se, se pegassem o moço que furou o sinal provavelmente o agrediriam.

Luzídio era um funcionário exemplar. Chegava todos os dias antes do horário de início do trabalho e saía depois que todas as suas tarefas tinham sido executadas. Quando tinha um tempinho vago, estava sempre disposto a ajudar os colegas, principalmente no preenchimento de informações financeiras. Ele trabalhava no departamento de pessoal de um órgão público. Era um servidor tão bom e conceituado, que ninguém se recusava a dar a sua senha profissional para ele ajudar. Luzídio foi assassinado quando descobriram que ele retirava todo mês menos de um real do salário de cada servidor.

Esses são dois extremos dessa doença que temos de culpar os outros pelas nossas mazelas. Se alguém fura o sinal, será que não passa pela cabeça de ninguém a possibilidade de o condutor estar indo prestar algum socorro, em que alguém correria risco de vida? Já aconteceu com um amigo fazer isso: teve um ataque cardíaco e acelerou em busca de atendimento médico. Se não tivesse infringido as leis de trânsito (das quais foi absolvido depois), certamente teria ido a óbito. No caso do servidor público, por que assassiná-lo? Certamente a justiça o faria devolver cada centavo retirado indevidamente de cada um.

Uma primeira explicação para isso é a tendência que as pessoas imaturas têm de encontrar um culpado para as suas inconsequências. Os culpados podem ser tanto outras pessoas, como no caso da pessoa que chegou atrasada ao trabalho porque o ônibus não parou para ela, quanto coisas. Há quem alegue não ter dormido direito porque a forte ventania fazia ranger a janela do seu quarto. Não lhe passava pela cabeça, por exemplo, passar um óleo na fechadura ou encostar a porta de forma mais vigorosa, que fizesse cessar o rangido.

Na verdade, a pessoa não percebe que quando age assim está dizendo, de diversas formas, que não tem maturidade o suficiente para assumir suas atitudes. "Aquela maldita pedra estava no meio do caminho e torceu o meu dedo" significa "não prestei atenção por onde andava e por isso tropecei na pedra". Mas, por incrível que pareça, a pessoa não tem a maturidade para admitir que estava andando desatenta.

Outro dia ouvi alguém dizer "eu não aguento mais ter que limpar a casa todo dia". A casa e a sujeira dela passaram a ser a causa da infelicidade dessa pessoa. Não passava jamais pela cabeça dela o fato de que casas e todo tipo de objeto se sujam. E quem não gosta de viver e conviver com sujeira tem que limpá-la. E se as coisas se sujarem todos os dias, todas as horas e todos os minutos, todos os dias, horas e minutos precisam ser limpas. Simples assim. Ser infeliz por causa disso por quê? Uma saída seria morar em um hotel, que teria funcionários para fazer a limpeza a todo instante...

A pessoa não percebe, portanto, que a "culpa" de suas infelicidades (porque são múltiplas) não é das pessoas a quem ela acusa e tampouco das coisas que ela condena. É ela, a própria pessoa, que é infeliz e repassa a sua infelicidade para as pessoas e coisas. É uma atitude cômoda que perpetua a infantilidade, mas que também gera infelicidade para quem compra a ideia infantil que ela conta.

A segunda explica é a vontade de fazer o que é proibido. Isso se aplica à quebra das regras que não fazemos, mas feita pelos outros. Se a pessoa atravessou com o sinal vermelho, o que é que eu tenho a ver com isso? Se a mulher traiu o marido, no que isso me interessa? Se alguém não está cumprindo o acordo feito, no que isso me toca?

Na verdade, quando alguém faz o que eu condeno, eu condeno justamente por isso: porque eu gostaria de fazer e não tenho coragem. Se eu condeno quem fura o sinal, é porque eu gostaria de fazer o mesmo; se eu me descontrolo com o marido que trai a esposa, é porque eu gostaria de fazer aquela traição; se eu perco a paciência com quem não cumpre o que promete, é porque eu gostaria muito de não cumprir os meus acordos. Simples assim.

Se as pessoas soubessem o que dizem quando reagem de forma desequilibrada emocionalmente ao culpar os outros, provavelmente jamais o fariam. Perceberiam que essas atitudes o fariam ou infantil ou criminosos em potencial. Lembro de várias pessoas que culpam os ex-amantes pelas suas infelicidades e finalizações de seus relacionamentos na frente dos amantes atuais. Pouco tempo depois falavam a mesma coisa dos que presenciavam suas denúncias. Um vizinho chegava a chorar de raiva quando lia notícias de pedofilia. Foi flagrado abusando de crianças da vizinhança e herdou 20 anos de prisão.

Se o descontrole emocional é quase sempre uma transferência de responsabilidade ou vontade reprimida de fazer o que é proibido, é bom que o indivíduo se conheça um pouco mais. É que a infantilidade tem um lado perverso: faz o indivíduo sofrer demais. Como a culpa está sempre no outro e o outro é difícil de mudar, a infelicidade tende a perpetuar. É assim que a mente inconsciente dessas pessoas age. Como os loucos jamais admitem que o são, a mente doentia jamais vai reconhecer que elas mesmas são as causas de suas desgraças, não os outros.

Há uma regra de ouro que ajuda muito a lidar com esse problema: só ligar para o outro, se for para fazer o bem a ele. Tudo o mais deve ser deixado de lado. Se alguém furou o sinal vermelho, tenho que imaginar algum bem naquilo - por exemplo, que ele estivesse indo socorrer alguém. Se a pessoa olhou de cara feia para mim, posso imaginar que ele não está bem - por exemplo, está com dor de barriga. Se alguém me deu um tapa, posso imaginar que fiz alguma coisa errada sem perceber ou que a pessoa agrediu a pessoa errada.

No início até parece absurdo, mas com o tempo a nossa mente vai se desapegando dos outros e passando para nós a responsabilidade pelas consequências dos nossos atos. Se o copo caiu da minha mão, é porque eu não o segurei direito, e não porque ele estava liso. Se quebrei o vidro da janela foi porque fui imprevidente ao segurar a escada, não porque a escada era pesada. Se perdi o ônibus ao ir para o trabalho foi porque não acordei mais cedo na parada.

Ainda que a justiça venha a reconhecer a responsabilidade de outro por alguma coisa que nos aconteça, de fato ela é sempre nossa. Certo dia fui processado por calúnia, difamação e injúria. A justiça me absolveu. No entanto, a "culpa" foi minha porque não fui previdente com os objetos que roubaram da minha casa, que gerou toda a série de desdobramentos que levaram ao processo.

Assumir as suas responsabilidade por tudo na vida é o que denota a maturidade de alguém. E tudo quer dizer tudo, absolutamente tudo. Até aquilo que comprovadamente não foi responsabilidade nossa. Afinal, tudo o que nos acontece de ruim tem sempre a nossa contribuição, diferentemente do que nos acontece de bom. Vigiar é a melhor atitude, como  já aconselhava um grande amigo há mais de dois mil anos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Vai e Faz

Juma ficava irritada todas as vezes que chegava ao escritório e copos estavam sobre a sua mesa. Seu sócio, quando recebia clientes e ficava várias horas após o expediente trabalhando, quase sempre os deixava por lá nas poucas vezes em que trabalhava até mais tarde. Juma ficava possessa. Será que ele não percebia que aquela não era uma atitude adequada?

João por vários dias brigou com a esposa por causa das roupas de cama com um cheiro suspeito. Era provável, imaginava ele, que algum de seus filhos pequenos tivesse feito xixi e vazado da fralda na cama. Mas não compreendia por que a mãe não as retirava e as colocava para lavar. Será que ela não estava percebendo aquele mau cheiro?

Muitas e muitas vezes sofremos em decorrência do que os outros fazem ou deixam de fazer. Na verdade, nenhum motivo há, de fato, para esses sofrimentos. Nada justifica a frustração e a tristeza derivadas do comportamento dos outros. Os outros têm todo o direito de fazer o que bem entenderem. Se fizerem coisas erradas, provavelmente a justiça se lhes será acionada; se fizerem coisas certa, é possível que sejam por isso bonificados.

Se alguém ganha na loteria e resolve doar todo o prêmio para os outros, que motivos eu tenho para contestar essa decisão? Se outro resolve se apaixonar pela pessoa que sabidamente é desonesta, porque devo interferir? Se o sócio deixa os copos em cima da mesa, por que isso seria motivo de descontrole das minhas emoções? Se alguém não consegue sentir o cheiro de xixi, isso é motivo de irritação minha? 

A ciência e as histórias de vida têm mostrado que as paixões descontroladas jamais levaram à mudança do comportamento dos outros. Diferente das atitudes, não se combate um suposto mal com um mal inquestionável. E são justamente as atitudes que devem ser acionadas, não para alterar o comportamento indesejado do outro, mas para retirar o suposto motivo do descontrole emocional.

Se os copos estão em cima da mesa e isso causa aborrecimento, retire-os. Se a roupa de cama está cheirando a xixi e isso incomoda, retire-a e/ou lave-as. Se as paredes da casa estão sujas e isso te causa descontrole, lave-as ou pinte-as. Se a comida do almoço não te cai bem, aprenda a cozinhar e faça-a todos os dias.

Certa vez o reitor de uma universidade entrou no banheiro dos homens e viu que uma torneira estava quebrada, jorrando água e inundando vários compartimentos. Imediatamente tirou o terno, retirou a gravata e a camisa e se pôs a cessar o jorro de água, no que foi bem sucedido. Em seguida acionou o pessoal da engenharia para providenciar o conserto definitivo.

Se o principal executivo de uma organização gigantesca é capaz de atitude semelhante, por que eu não seria? Depois que a instituição soube do ocorrido, divulgação feita pelos alunos e professores que estavam ali naquele momento vendo a atitude do reitor, praticamente todos louvaram a iniciativa. Tanto é assim que estou eu aqui a lembrar desse feito, mais de duas décadas depois.

Toda iniciativa desse porte é divina e louvável. É o que todos gostariam de fazer, mas, incrivelmente, não se sabe o porquê de não levá-lo a cabo. É formidável a atitude de alguém que recolhe o mendigo da rua e o leva para sua casa para tratar dele como se fosse parente seu, mas é impressionante que aquelas pessoas que mais se emocionam ao saber dessas ocorrências são aquelas que menos capazes são para fazer o que lhes emociona. É provável que a emoção não seja devido ao fato presenciado, mas pela consciência de sua incapacidade.

Fazia mais de mês que os funcionários entravam pelo portão quebrado da entrada principal e se contorciam um pouco, para que não se machucassem. Um deles, que estava a serviço na unidade de outro estado voltou e, ao entrar, percebeu o portão trincado. Deu meia volta e foi a uma pequena loja de material de construção da esquina, comprou uma nova dobradiça e substituiu a que estava com problema. Novamente todos poderiam entrar na empresa sem problemas.

O que esse servidor fez? Ele foi lá e fez. Simples assim. Ele não esperou que alguém o mandasse fazer, mesmo por que essa não era sua responsabilidades. Também não ficou xingando a empresa e os funcionários responsáveis pelo portão quebrado. E tampouco ficou resmungando pelos cantos pelo contorcionismo necessário para que pudesse entrar sem se ferir devido ao portão quebrado. Ele foi lá e fez.

Vai e faz. Não resmungue. Não esbraveje. Não xingue. Não culpe. Vá lá e faça.

Se os copos estão em cima da mesa, vá lá e os coloque no lugar. Se a roupa de cama está fedendo xixi, vá lá e as lave. Se seu chefe não lhe dá bom dia, dê bom dia a ele. Se seu marido não limpa as paredes da sala, vá lá e limpe-a ou pinte-a. Faça isso uma vez e tantas quantas forem necessárias, se isso lhe incomodar. Deixe o seu ambiente o mundo do jeito que você gosta. E isso só precisa de sua ação. Vá lá e faça.

Se você fizer isso, coisas milagrosas vão começar a acontecer. A primeira é que o tempo perdido com tristezas e frustrações vão diminuir muito. E com a possibilidade de desaparecer. A segunda é que você se tornará mais autônomo, independente, não precisará mais dos outros para que você se sinta bem. Você será capaz de preparar o caminho do seu sentir bem. A terceira é que você descobrirá inúmeras coisas que precisa aprender e que não sabe fazer. Isso lhe proporcionará mais conhecimentos e habilidades. E, quarta, como todo conhecimento e habilidade mudam o nosso comportamento, você se recobrirá de atitudes cada vez mais bela, o que levará ao quinto milagre, que é mais e mais pessoas gostarem de você.

Ir lá e fazer, portanto, é uma atitude simples que transforma completamente a vida da gente. Se você vive reclamando que não tem dinheiro, vai lá e aprende uma forma legal ter o dinheiro que você quer ter. Se vives triste porque não consegue o reconhecimento profissional que teus conhecimentos e habilidades permitem, vai lá e obtém outros conhecimentos e novas habilidades que te tragam o reconhecimento esperado. O que não vale é ficar parado, reclamando da vida e sendo infeliz. O tempo passa rápido. E logo já é chegada a hora da partida.

Vai lá e faz. Deixe o mundo mais parecido contigo. E seja feliz.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Triste Razão

 Há quem sonhe em ter muito dinheiro, como se esse bem pudesse sanar todos os problemas e dificuldades da vida. A vida vai mostrando, porém, que saber lidar com dinheiro é uma das grandes lições que se tem que aprender. E isso não é fácil. Muitos sucumbem fazendo do dinheiro o fim da própria vida, nos dois sentidos semânticos. Apenas aqueles que o tornam meio para fins mais nobres é que conseguem viver de forma menos atribulada. Mas a primeira coisa que se tem que entender é uma lógica simples, esquisita e triste.

Comecei a trabalhar muito cedo. Aos cinco anos já vendia tomates, vassouras, maxixe e outros produtos nas ruas de Alenquer. Mas foi pela altura dos dez anos de idade, quando já dominava completamente a arte de datilografar, que comecei a ter um retorno sistemático, em forma de dinheiro, do meu trabalho. Praticamente toda semana, eu recebia um pequeno pagamento pelas coisas que eu fazia.

Quando chegava em casa, entregava quase todo o dinheiro que eu tinha recebido para a minha mãe guardar. Ela era o meu banco, no sentido singelo de guardar o meu dinheiro. Nada de juros para mim e tampouco taxa bancária para ela. A ideia era simples: quando eu precisasse, bastava pedir para que ela me desse. Quase nunca perguntava para que eu queria o dinheiro que eu pedia.

A dinâmica era, portanto, toda semana lhe entregar um pouco de dinheiro e, ao longo da semana, quando eu precisasse, pedia e ela me atendia. Entrada e saída de recursos financeiros apenas. Contabilidade simples, cálculo fácil de fazer. Mas, na prática, as coisas não são bem simples assim.

Alguma coisa esquisita e triste acontece entre os intervalos de tempo em que nos prestamos a fazer um pequeno balanço da situação financeira. A esquisitice e tristeza é maior para quem está começando a lidar com dinheiro, como foi o meu caso e o caso da maioria das pessoas para quem eu contei a minha história.

Parece que a mente trabalha de uma forma a maximizar as entradas e a minimizar as saídas. Esclareço. Toda semana parecia ficar registrado na nossa mente, com bastante clareza, o quanto foi entregue ao banco (no meu caso, para a minha mãe), mas, inversamente proporcional, a própria mente se encarregava de apagar ou deixar apenas de forma sombria, nebulosa, aquelas retiradas que eu fazia. E o resultado disso era que, na minha mente, eu tinha mais dinheiro do que efetivamente tinha no bolso do vestido onde minha mãe guardava minhas economias.

Eu não anotava em nenhum papel o quanto eu entregava e o quanto eu retirava. Não tinha esse registro formal de entrada e saída de dinheiro. Deixava tudo sob a responsabilidade da minha mente. E isso também não me preocupava. Mas quando eu queria comprar algo que custava um pouco mais dinheiro, uma calça jeans, por exemplo, quase sempre minhas economias me deixavam na mão. Minha mãe me dizia simplesmente que faltava dinheiro. Mas minha mente me dizia o contrário. Não apenas me dizia o contrário, mas me levava e às vezes me forçava a desconfiar da honestidade da minha própria mãe, coisa veementemente repudiada e jamais obedecida por mim. 

Eu deixava a compra para outra ocasião. Mas ficava, naturalmente, com a pulga atrás da orelha, desconfiado. A desconfiança jamais fora em relação à dignidade de minha matrona. A curiosidade vinha como decorrência do desequilíbrio que minha mente apontava entre a entrada e a saída de recursos. Eu imaginava que tinha uma certa quantidade de dinheiro, porém a realidade me apontava outra.

Cresci um pouco e tive que sair de casa, para enfrentar o mundo. E trabalhei novamente. E novamente comecei a ganhar meu dinheirinho. Aqui a dinâmica era parecida, mas diferente ao mesmo tempo. O dinheiro entrava na minha conta bancária de verdade e eu o ia retirando ao longo do mês, para as necessidades da minha casa e pessoal. Como eu não tinha cheque especial, quando as retiradas zeravam a conta, os cheques começavam a voltar (naquele tempo havia essas coisas anacrônicas, que era um pedaço de papel com um certo valor anotado que as pessoas e empresas recebiam como pagamento a ser descontado em relações interbancárias). E começavam os problemas.

Eu comecei a desconfiar da honestidade do banco. Eu imaginava que o banco estava me roubando, contabilizando demais as minhas retiradas. Veio em mim a lembrança do que ocorria quando minha mãe era o meu banco. O que estaria acontecendo, afinal? E por que isso acontece?

Comecei a fazer anotações no canhoto do talão de cheques. Eu pegava o meu saldo no início do mês e ia diminuindo cada cheque ou retirada que eu fazia. Dessa forma eu comecei a saber com certa precisão quanto restava na minha conta bancária. Mas, ainda assim, o dinheiro na minha conta acabava antes do que indicavam as minhas anotações.

Um dia tive a ideia de gastar quase nada do meu salário. E assim o fiz. Apenas o essencial, o essencial mesmo, era comprado ou pago, como conta de luz e telefone. E resolvi pegar extratos semanais, para acompanhar o que estava acontecendo na minha conta. No final do mês, para minha surpresa, não detectei nada de anormal. Quer dizer, algo anormal aconteceu: mais da metade do meu salário estava lá na conta. E, o que é melhor, o mês tinha acabado. E ainda faltava entrar o salário!

Fiquei novamente com a pulga atrás da orelha. Algo esquisito estava acontecendo. Quer dizer, não estava mais acontecendo a esquisitice de sumir meu dinheiro da conta. Eu parecia jurar que quando a gente não presta atenção nas entradas e saídas de dinheiro, o dinheiro some; mas, se a gente controla tudo, tintim por tintim, diariamente, todo o tempo, o dinheiro fica lá. É claro que isso exige tempo e paciência. E, mais do que isso, determinação.

Depois de muito estudar (e praticar) finanças descobri, com um ramo da ciência chamado psicologia financeira ou econômica, que a mente nos surpreende de verdade. É ela que, através de determinados hormônios, faz abrandar o impacto das retiradas e mantém firmes as entradas, causando essa dissonância entre o que entra e o que sai de dinheiro, nos levando a desconfiar da honestidade dos outros. Na verdade, a ciência mostra que a primeira desconfiança tem que ser com a gente mesmo.

As riquezas materiais (e dentre elas as riquezas financeiras) são decorrentes da nossa determinação em controlar o que entra e o que sai. Quando essa determinação se torna um hábito, educamos a nossa mente para lidar com adequação com a dinâmica de entrada e saída de dinheiro. E só então compreenderemos que não é a honestidade ou desonestidade das pessoas que faz diminuir, aumentar ou permanecer constante o saldo de nossas contas, mas as nossas atitudes. Todo pobre financeiro é pobre mental e miserável em atitudes. É escravo de uma triste razão. Razão que teima em ter.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...