quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Imperativo da Gestão

Esse período de pandemia talvez seja o mais rico em novos aprendizados que já tivemos em toda a história. A maior delas, infelizmente, apenas é percebida pelos grandes cientistas, que é a necessidade de se começar o pensamento e o conhecimento dos procedimentos científicos na primeira infância. Esse será um esforço de não tentar mais barrar o desenvolvimento natural das habilidades genéticas que a maioria de nós traz, que é o de procurar explicações e soluções para o que não compreendemos. O segundo é o imperativo da gestão. Explico.

A ideia de imperativo é a combinação da obrigatoriedade com a necessidade. Contudo, para que essas duas palavras esquisitas sejam entendidas, é mais recomendável que comecemos explicando o que é gestão. Começaremos com exemplos, explorando seus diversos matizes compreensivos.

Certo dia, em uma de minhas aulas para alunos calouros de medicina, perguntei a cada um deles, dentre outras coisas importantes para o planejamento da disciplina, por que tinham escolhido aquele curso. Mais da metade deles responderam algo como "quero ser dono de hospital", "pretendo ser um grande dirigente na área da saúde pública" ou "quero ter meu próprio consultório". Os outros alunos falaram coisas voltadas para a prática da medicina, como "curar as pessoas", "encontrar cura para determinadas doenças" e assim por diante. Eu já tinha recebido muitas respostas similares com alunos de engenharia e direito, por exemplo.

O que essas respostas têm, digamos, de incomuns é o fato de que aqueles alunos talvez estivessem no curso errado. Quem quer ser dono de hospital, ter seu próprio negócio ou dirigir instituições deveria cursar administração. Ou então cursar medicina, engenharia, direito ou qualquer curso de sua vocação, mais administração. A administração serve, nesses casos particulares, para que o futuro profissional seja capaz de gerenciar sua própria vocação, sua vida e seu destino.

Certamente aqueles alunos e futuros profissionais não sabiam que precisavam de conhecimentos gerenciais para que pudessem saber como agir no exercício de suas profissões. Provavelmente estivessem desconfiados de que administração lida, em primeiro lugar, com alcançar objetivos, em saber para onde se está caminhando, onde se quer chegar. Mas jamais imaginariam que há inúmeras formas e procedimentos técnicos para escolher o objetivo mais adequado para determinadas situações. E aprender isso demanda anos, muito tempo. Não cabe em uma disciplina de 80 horas, como tentam fazer crer certas instituições.

Em inúmeras ocasiões, ex-alunos de outros campos me procuram com a mesma preocupação. Foram nomeados ou eleitos dirigentes de alguma coisa. O que fazer? Qual é a primeira coisa que um gerente de loja tem que fazer? O que um prefeito tem que fazer em primeiro lugar? Não sabem, certamente. Não foram treinados para isso. Foram formados para advogar, analisar instalações elétricas ou cuidar de idosos. Mas manusear recursos para alcançar objetivos que não existem, como no caso da maior parte dos municípios amazônicos, jamais. Nem sabem o que é isso. Confundem recursos com dinheiro.

Vamos esclarecer as coisas. Gerenciar é um conjunto de etapas que precisam ser seguidas para que os recursos disponíveis possam ser transformados em objetivos. Primeira tradução: administração não se faz de uma hora para outra, é feita em etapas. Essas etapas são: planejamento, organização, direção e controle. Segunda tradução: administração lida com recursos, que são tudo aquilo que o gestor precisa para fazer alguma coisa. Se é preciso fazer merenda escolar, os recursos são pão, queijo, presunto, suco, copos, pratos, talheres, fogão, gás e toda uma enormidade de coisas. Veja que não falamos em dinheiro. A razão disso é que dinheiro, em última análise, não é recurso (Dinheiro é meio de troca. Mas deixemos isso para lá). Terceira tradução: objetivos são as coisas que queremos realizar, os produtos que queremos produzir.

Depois de organizado os recursos, é hora de lidar com o mais difícil dos recursos, que é a força de trabalho. É preciso saber lidar com as pessoas para que elas transformem os recursos naquilo que se pretende realizar. Se queremos merenda, sem os esforços das pessoas nenhuma merenda vai sair. E não adianta pensar em robôs. Ainda com eles é necessário que haja pelo menos uma pessoa para cuidar dele. E isso se faz com motivação (a pilha das pessoas descarrega, às vezes muito rápido), liderança (e não mandar, como quase todo mundo pensa) e comunicação (todo bom gestor é um mestre do diálogo, como sempre demonstrou meu amado irmão e líder Antônio Venâncio Castelo Branco, saudoso reitor do Instituto Federal do Amazonas). É preciso esquematizar com as pessoas como vamos trabalhar para gerar os resultados pretendidos.

A última etapa do processo gerencial, na verdade, não é um término, mas um constante retorno: controle. Controlar nada tem a ver com mandar nas pessoas e tampouco controlar a vida delas. Os gestores controlam recursos, resultados e processos. É preciso controlar os recursos porque eles são raros, e se não forem controlados, não vão produzir os resultados desejados. Sem alcançar resultados, não há gestão. Gestão é a arte de fazer coisas, gerar resultados. E processos são as etapas que a gente percorre para fazer alguma coisa. Quanto mais etapas, mais longo o processo e mais caro, por exemplo.

O controle é feito em quatro etapas. A primeira é a padronização: precisamos saber como queremos os resultados, como vamos fazer as coisas e com que quantidade de recursos. A segunda é a mensuração: precisamos contar quantas coisas foram feitas para que o total pretendido não seja ultrapassado e nem tampouco a qualidade seja inferior à definida. A terceira é a avaliação, que é a comparação do que foi produzido com o que foi planejado. E a quarta é o replanejamento, que nada mais é do que consertar aquilo que saiu errado através do replanejamento do processo de produção, do processo de gestão.

Por incrível que pareça, eu tentei ser o mais sucinto possível e usei a linguagem mais popular existente, para que eu pudesse ser compreendido. Mas sei que dificilmente alguém entendeu bem. Isso é normal. Os administradores levam pelo menos 4 anos para compreender essa lógica e pelo menos igual período para aprenderem a colocá-la em prática. E aprendem diferentes formas de fazer isso. Por exemplo, esse esquema geral é aplicado a finanças (gestão financeira), materiais (gestão de materiais), pessoas (gestão de pessoas), meio ambiente (gestão ambiental) e centenas de outros campos, se não milhares deles. E cada um tem suas peculiaridades, suas distinções.

Agora eu te pergunto: você acha que teu prefeito, sem formação gerencial, é realmente capaz de gerenciar sua cidade? Que o diretor da sua escola, que é formado em pedagogia, tem conhecimentos de estratégias organizacionais (que exige raciocínio simultâneo de dezenas de áreas diferentes) suficientes para fazer de tua escola uma das melhores do país? Que o dono do hospital, que é médico, é capaz de te oferecer um serviço da qualidade que um gestor faria?

Mas o fato é que são essas pessoas que estão dirigindo grupos, instituições e organizações nos municípios e estados mais atrasados do País. Não que isso não aconteça em outros países. Acontece, sim, até nos mais ricos. Mas a concorrência de lá age rápido destruindo a organização que eles dirigem, colocando tudo nos devidos lugares. Mas já que eles estão dirigindo, e tendem a continuar por alguns anos mais, é necessário que comecemos já a preparar esses futuros dirigentes.

Imperativo significa que "não tem jeito": gente estranha à área de gestão vai continuar querendo gerenciar. E não queremos que as pessoas sob o comando dela se prejudiquem. Então é preciso começar a ensinar gestão a elas desde crianças, em doses homeopáticas. Podemos começar com a tendência natural que as crianças têm de fazer o bem e ensinar que esse deve ser o grande e maior objetivo de suas vidas. Gerenciar é alcançar objetivos. E todo objetivo tem que ser sempre um bem.

Ao longo do ensino fundamental podemos ensinar a ideia de recursos. São necessários recursos para tudo, principalmente para fazer o bem. Uma oração é um bem e a disposição e vontade de orar são os recursos. Nessa fase a finalidade é fazer com que as pessoas descubram a infinidade de recursos que estão à sua disposição e que não são usados. Tempo é recurso, fraternidade também; um sorriso é um recurso incalculável, assim como ouvir com atenção.

No ensino médio poderão ser ensinadas diferentes formas de escolher o bem a ser produzido e a forma mais adequada de uso de recursos. Principalmente para criar o novo necessário. Um novo cenário onde dormimos, um novo ambiente onde convivemos, um novo tipo de relacionamento mais cordial, uma nova forma de esperança e inúmeras maneiras inusitadas de amar.

Todos deveriam entrar no ensino superior apenas quando tivessem aprendido a amar. E nada mais interessante para fazer a seleção desses novos universitários do que um portfólio de suas grandes realizações desde a mais tenra idade. Todos os que soubessem amar teriam que ser admitidos. O amor não ocupa espaço porque é infinito. Sua missão na universidade seria única: inventar novas formas de amar. Nada de disciplinas isoladas e sem sentido. Na verdade, haveria apenas uma: superar desafios.

Quando falamos "necessidade" queremos dizer justamente isso: é necessário dar sentido à vida, ao viver, à vivência associada. E a vida só tem sentido quando dirigida ao bem do outro. A vida é alteridade. O outro é fundamental não para eu me exibir ou fazer ostentação, mas para o exercício da solidariedade e da caridade. São esses os tesouros dos novos tempos, que as sociedades tanto almejam, que as pessoas clamam enlouquecidas, mas que não sabem como produzi-los.

Como a pandemia tem mostrado, a gestão é fundamental. Sem ela não há futuro, o presente se desfaz e as esperanças se transformam em flagelos. E o primeiro alvo de todo o processo de gestão é a própria vida de quem deseja ser feliz de verdade. A vida do gestor é a grande embarcação que ele precisa aprender a comandar ante os mares enfurecidos do tempo presente rumo à segurança do cais do futuro que todos desejamos.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Sociedades de Negacionistas

 Tem aumentado visivelmente o número de pessoas que acusam outras de negacionistas. Com isso querem dizer duas coisas. A primeira é uma acusação um tanto quanto sórdida, de que os valores da ciência e sua grande contribuição para o bem estar da humanidade são criminosamente negados. A segunda é decorrente dessa: que eles, os acusadores, são fiéis seguidores da ciência e seus ditames? Será isso verdadeiro? Ou isso não passa de uma grande autoilusão a que os acusadores se aprisionaram?

Três são os centros das acusações contra os supostos negacionistas. O primeiro é a controversa negação da capacidade das vacinas em lidar com algumas patologias que assolam a humanidade, como o sarampo. A acusação é que as vacinas são medicamentos isentos de quaisquer malefícios ante os inúmeros benefícios que proporcionam a quem se vacina. O segundo é relativo à geometria do planeta, em que os supostos negacionistas divulgam a natureza plana da Terra. A nossa nave-mãe seria redonda, segundo os acusadores. E o terceiro diz respeito ao clima da terra, cuja acusação é de que os negacionistas discordam do aquecimento global.

Vamos olhar essas cenas de forma diferente. Vamos tentar agir como fazem os cientistas de verdade. A primeira providência seria levantar tudo o que a ciência sabe sobre os assuntos vacina, geometria do planeta e aquecimento global. Tudo mesmo. Tudo, naturalmente, que foi produzido com o uso do método científico. Produzido e publicado em revistas científicas confiáveis, o que significa ter sido submetido à avaliação dos outros cientistas dessas comunidades.

Não valem, aqui, por exemplo, textos de filosofia, por mais belos e críticos que eles sejam. Filosofia não é ciência. Também são desconsideradas até as próprias opiniões dos próprios cientistas. Opinião não é conhecimento científico. O que é publicado em jornal, revista e mídias sociais, então, nem pensar.

Quando isso é feito, tem-se o suprassumo do que efetivamente é confiável em termos de conhecimento. Daí uma coisa ia aparecer: a enormidade de constatações empíricas, práticas, diferentes feitas pela própria ciência. Constataríamos que não há consenso sobre grande parte do que o povo não científico considera certeza. Dada a diversidade de posições poderíamos até a nos convencer que, de fato, não há consenso. Mas os cientistas sabem que não é bem assim.

O que marca o conhecimento científico produzido com o seu célebre método é o erro. Todo conhecimento, para ser científico, tem que apresentar de forma explícita o erro que incorre. Os erros limitam aquilo que sabemos. Aliás, o que sabemos é tão pouco, tão reduzido ante a totalidade, que não seria irreal que considerássemos o pouco que sabemos como insignificante ante o que não sabemos. Mas é essa insignificância que ilumina um pouco e cada vez mais as sombras do que desconhecemos.

Se essa massa que acusa os outros de negacionistas soubesse disso, pensaria duas vezes antes de fazer qualquer acusação. É que as consequências são desastrosas. Vejamos apenas dois grandes e surpreendentes exemplos.

Dirigentes de instituições de pesquisas acusam os governantes de não levarem em consideração a ciência em suas decisões. Vale destacar, aqui, que essas acusações são relativas principalmente à pandemia, mas também para os investimentos em pesquisas. Na verdade, esses dirigentes são tão negacionistas quanto aqueles que eles acusam porque são alertados praticamente todos os dias sobre o amadorismo de suas gestões. Eles não levam em consideração o que a ciência da gestão sabe sobre gerenciamento. Acham que suas intuições e suas boas vontades são suficientes para o sucesso de suas gestões. E o resultado é o que se vê todo dia. Infelizmente, a maioria da população brasileira nem desconfia que o fato de não termos nenhum prêmio nobel é justamente devido ao negacionismo gerencial desses dirigentes.

Um número altamente considerável de acusadores dos negacionistas são professores. Mas eles nem desconfiam que são, eles próprios, os professores, os maiores negacionistas que existem. É muito difícil encontrar um professor universitário brasileiro que teve formação docente de base científica. E isso vale principalmente para os professores que cursaram licenciaturas, que deveriam saber como ensinar. Mas não sabem porque suas formações deixam de lado a ciência e se agarram na filosofia. Como consequência, sabem falar coisas desconexas sobre todas as coisas, mas são incapazes de fazer ciência porque desconhecem o método científico. Não sabem que o erro é o que caracteriza a ciência, não a verdade, que exigem a todo custo.

Evidentemente que não são apenas dirigentes institucionais e professores os negacionistas. Todos nós o somos. A ciência do Direito diz que devemos seguir as leis para que possamos viver em paz, mas não acreditamos nisso. Entendemos o que essa ciência fala, mas não acreditamos porque não pautamos nossa conduta em conformidade com as leis. Tanto é assim que não estudamos a legislação.

A neurociência diz que o cérebro tem um limite de armazenamento temporário de informações. E que colocar mais do que determinada capacidade é pura perda de tempo. Mas insistimos em estudar durantes horas e horas o mesmo assunto, simplesmente porque negamos as limitações físicas para tal. Resultado: em pouco tempo já não se sabe mais praticamente nada daquilo que consumiu nosso precioso tempo de vida.

A ciência médica diz que devemos exercitar nossas mentes e nossos corpos, para que diversas patologias fiquem distantes de nós. Entendemos a mensagem, mas não acreditamos na ciência. E ficamos anos e décadas no sedentarismos nos empanturrando de porcarias. E ainda nos revoltamos quando o corpo cobra seu preço através da invalidez permanente ou por intermédio da morte.

O que fica claro com esse  movimento de acusações de negacionismo é a profunda ignorância dos acusadores. Além de má fé, essas atitudes são criminosas. São, como dizem no Norte, os sujos falando mal dos mal lavados. É como um colega cientista falou: "quando vejo alguém acusando o outro de negacionismo, não tenho dúvida de que estou diante de alguém que desconhece completamente a ciência". Como é uma figura respeitada no mundo todo, parei para coletar evidências.

Para minha surpresa, os cientistas de verdade não acusam ninguém. Chamo cientista de verdade àqueles que têm dezenas de artigos científicos publicados em revistas de alta confiança internacional onde o método científico se destaca. Os grandes acusadores, além do povão, são pessoas que se dizem pesquisadoras, mas que seus currículos são recheados de textos sem relevância científica alguma. Quase sempre seus textos são difíceis de enquadrar até como filosofias. Eu diria, com grande chance de acertar, que são textos de opiniões. Noutras palavras, conhecem tanto a ciência quanto o povão que nunca foi à escola.

Por essas razões tenho uma recomendação para todos os não cientistas. Quando virem alguém falando suposta bobagem, algo como um negacionismo, que tentasse pensar assim "será que não falo tanta bobagem quanto essa pessoa?" ou "será que as coisas que eu penso que estejam de acordo com a ciência realmente estão?". Faça como Renée Descartes: desconfie de você mesmo. Desconfie daquilo que imagina que sabe. E, se você for corajoso(a), vá em frente. Aprenda tudo o que a ciência sabe sobre a suposta bobagem que você estava pronto(a) para acusar de negacionismo. Quem sabe se, com isso, você não teria a mesma atitude dos verdadeiros cientistas, de ficar calado(a) e entender que ninguém sabe tudo do pouco que a ciência explica?

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...