domingo, 22 de março de 2020

O Ódio te Domina?

O ódio é um tipo de sentimento que muitos consideram característicos dos seres humanos. Todos os homens e mulheres do planeta sentiriam, sentiram ou sentirão ódio de alguém ou de alguma coisa. Mas será essa percepção correta? Se conhecermos um pouco sobre esse sentimento, talvez essa certeza se desfaça.

Por que as pessoas sentem ódio? De uma forma geral, o ódio surge quando alguém se sente ferido ou ameaçado. Veja vem: quando a pessoa se sente, o que não quer dizer que foi realmente ferido ou ameaçado. Pode ter sido, agora ou no passado; mas pode ser que não. De qualquer forma é ela que se coloca esse sentimento. É algo que vem do ego, de dentro da pessoa. Esse sentimento leva as pessoas a protestar, agredir, ferir e até matar. Analisemos isso mais de perto.

O sentimento de ódio, raiva, representa uma antecipação ou reação a algo, imaginário ou real. Como antecipação, o ódio tenta evitar que aquilo que esteja na imaginação aconteça ou, se for algo concreto, que se desfaça ou amenize. Enquanto reação, é uma forma de equilibrar o ego, causando no outro ou em algo o dano sofrido, seja ele imaginário ou real. Dessa forma, o ódio, a raiva, faz parte da economia mental de muitos seres humanos.

O indivíduo raivoso geralmente é uma pessoa insegura, tímida e/ou frustrada. O ódio é apenas a manifestação externa do seu ego, da sua internalidade. Sob essa ótica, todas as vezes que se assiste a manifestações de ódio está-se diante de alguém que, através desse meio, pede socorro para sua insegurança, timidez ou frustração. Sob esse prisma, portanto, a realidade muda de figura: aquele indivíduo polêmico, crítico, protestante, que gosta de zombar dos outros (zombaria é uma forma disfarçada de demonstrar ódio), enfim, quem tenta ferir o outro proposital para equilibrar sua economia mental não é corajoso, mas medroso.

O ódio é um sentimento; portanto, é um tipo de emoção. E, como toda emoção, pode ser controlado, domesticado, amenizado, pelo menos. Veja o ciúme. Alguns sentem ódio de toda pessoa que chegue próximo da pessoa ou objeto central do ciúme justamente devido ao medo de perder aquilo que, supostamente, lhe pertence. Não é todo mundo que sente ciúme, o que demonstra que os sentimentos nocivos que geram o ódio podem ser controlados e até eliminados. Veja o caso do ódio político dos seguidores de agremiações ou visões de mundo. Sentem raiva dos adversários ou de quem pensa diferente porque têm medo, pavor, de que suas imaginações negativas aconteçam. Em ambos os casos, o medo é tão extremo que se fazem guerras e cometem-se verdadeiros genocídios.

Quem é dominado pelo ódio não admite jamais que exista alguém que não o sinta. É como o desonesto, para quem todas as pessoas são como ele. É como o invejoso, que acha que todo mundo deseja o que o outro tem, que é outra forma de se sentir ódio. Por essa razão, não é recomendável qualquer tipo de diálogo de convencimento ou ensinamento sobre essa doença mental, que é o ódio.

O indivíduo odioso precisa de amor. Ele é um exemplo real, concreto, de que o amor que havia no seu coração e na sua mente foi envenenado pelo medo, oriundo de sua insegurança, timidez ou frustração. Ele não precisa e nem pode ser combatido, principalmente porque ele já está derrotado. Suas manifestações são demonstrações inequívocas de sua derrota, de sua dominação pelo ódio. Ele precisa ser restabelecido, reerguido, levantado.

Lembro de um colega que vive procurando na internet coisas sobre o governo para postar nos grupos sociais. Ele não percebe que está, com isso, demonstrando insegurança, timidez e frustração com alguma coisa ou alguém e pegou o governo para exteriorizá-la. Já vi casos de pessoas que fizeram coisas parecidas apenas porque o governante, na época, era parecido com o homem que seduziu sua esposa e a levou. Isso mostra, também, que o ódio demonstrado para com alguém não significa que a origem seja aquela pessoa sobre a qual a raiva está sendo descarregada. Na maioria das vezes, não é.

Quem sente ódio está doente. E, como todo doente, precisa ser medicado. Mas não existe remédio físico para isso, a não ser para alguns dos sintomas, como taquicardia e até mesmo calmantes, para controlar o corpo. O remédio é mental e espiritual. É preciso harmonizar a mente a partir do treinamento de lembranças boas, prazerosas, amorosas, para recobrir o corpo mental de energias boas, salutares. O remédio espiritual é a constatação pessoal, a partir do exemplo de outras pessoas e da natureza, de que é o bem que move as coisas para a frente, que faz o mundo evoluir. Mas esta tem que ser uma descoberta pessoal, ainda que com o suporte de alguém.

Indivíduos há que já conseguem controlar o seu ódio. Podem até sentir raiva, mas têm facilidade de transformá-lo rapidamente em gestos e atitudes amorosas. Não deixam mais que o germe desse sentimento cruel se lhe apegue. Ainda que não demonstrem explicitamente suas reações fraternas, fazem-nas em particular, seja ajudando através dos outros ou diretamente, através de orações, por exemplo.

Mas há aqueles que já superaram a possibilidade de odiar, pois conseguiram transformar suas mentes e corações em amor. São poucos, mas sua quantidade tem aumentando muito nos últimos anos, principalmente como contrapartida ao crescimento exponencial dos indivíduos raivosos. Os indivíduos amorosos vivem cuidando dos outros, porque amar é cuidar (quem não ama, não cuida). São compreensíveis, pacientes, não debatem, não criticam, não protestam. Têm o conhecimento da doença e sabem quais são os remédios para cada caso. Algumas vezes são odiados ou evitados pelos indivíduos mais raivosos, mas jamais ignorados; na maioria das vezes se transformam no porto seguro daqueles que já não aguentam mais odiar.

Temos assistido ultimamente, com demonstrações explícitas nas redes sociais, ao aumento do ódio. É que as redes dão coragem ao indivíduo medroso, inseguro, tímido e frustrado se manifestar. Não é que alguém pacato (como o tímido é visto) tenha se tornado raivoso. Não há involução de sentimento, o indivíduo não retrograda sentimentalmente. O que acontece é que não havia um estopim ou um meio para o ódio do pacato, do tímido, se manifestar. E como as redes sociais são um meio extraordinário para isso, o ódio tem explodido.

O lado salutar de tudo isso é que agora podemos ver que nossas sociedades são doentes. Não por causa do capitalismo, como querem uns, nem pelo socialismo/comunismo, como querem outros. Capitalismo, socialismo e comunismo são apenas manifestações diferentes do mesmo ódio. Ódio é o amor que enlouqueceu. Nossas sociedades são comunidades enlouquecidas, dementes, doentes. E, como todo doente, precisa de médico. E os médicos são justamente que já se curou dessa doença. São os indivíduos amorosos, que geralmente agem no anonimato.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Sobre a Verdade

A verdade é uma palavra que os cientistas evitam pronunciá-las quando da realização de seus estudos e publicação de seus resultados. Por outro lado, as pessoas ditas comuns e uma parte considerável dos chamados pesquisadores, se não a tomam como algo real e concreto de forma consciente, são orientados por ela de forma inconsciente. Para a comunidade científica, parece estar claro que verdade e ciência são incompatíveis. Vejamos isso mais de perto.

Talvez a visão predominante seja a que diz que a verdade é correspondência entre o que se diz e a realidade que é dita. Consequentemente, pelo menos três coisas podem ser evidenciadas nessa concepção. Primeiro, é que algo existe, que é o que chamamos de realidade, que os filósofos chamam de caráter ontológico do mundo. Esse é o primeiro pressuposto a ser admitido para que se possa falar de verdade. O segundo é que alguém (que a filosofia chama de sujeito cognoscente, que conhece) é capaz de perceber a realidade, aquilo que existe. Sem alguém que a perceba, existiria a realidade? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida ainda hoje. E terceiro, que a percepção pode ser explicitada, falada, dita, descrita, narrada, explicada, enfim.

Outros aspectos podem ser adicionados a essa matriz triádica para que possamos compreender por que a ciência se mantém afastada da verdade. Um deles é a constante alteração da percepção do sujeito. O que ele sabe (ou o que imagina saber) muda constantemente. A ciência tem mostrado, por exemplo, que a cada vez que relembramos alguma coisa produzimos alteração nela, de maneira que o passado (e consequentemente toda a história) é mutante e mutável. Ainda que a ciência se pretenda um discurso sobre o presente, só poderá fazê-lo sob uma perspectiva do passado.

Se o sujeito muda, sua percepção também muda. E como a percepção dos cientistas é descrita e narrada diversas vezes até que a versão final esteja pronta, mais e mais provocará mudanças naquilo que os cientistas perceberam. Ainda que os dados e toda sorte de evidências empíricas se acoplem às exigências do método, a cada relembrança e reinterpretação, mais e mais distante dos fatos (e da realidade) se mostrarão.

Não é só o sujeito que muda. A realidade, ao que tudo indica, também. Olhemos para as estrelas. Nem mesmo o que vemos sobre elas é real. Nem mesmo o que vemos no nosso próprio sol. O que vemos da nossa estrela nos chega com oito minutos de atraso. O que vemos na estrela mais próxima está 4,22 anos-luz de atraso. Se essa estrela explodisse agora, só perceberíamos a explosão daqui a quatro anos.

E, finalmente, mas não menos importante, o nosso discurso não consegue dar conta da nossa percepção. Não conseguimos traduzir em palavras, desenho, diagrama, fórmula matemática ou qualquer outro meio de representação a realidade em si. Nosso discurso é sempre parcial e seletivo, e isso a ciência tem como comprovar de inúmeras formas. Como nas caricaturas, nossa percepção apenas consegue se concentrar naquilo que mais chama a atenção, deixando de lado o que ela considera secundário.

Análises multivariadas, por exemplo, sempre deixam de lado uma parcela de variáveis que, apesar de serem numerosas, contribuem com baixas cargas de impacto sobre determinado fenômeno sob estudo. E o que falar dos fatos e fenômenos ditos humanos e sociais (como se houvesse algo que não fosse humano e social), que ainda não conseguimos detectar sua enormidade de fatores intervenientes, moderadores, espúrios, extrínsecos, de supressão, dentre inúmeros outros tipos catalogados pela ciência?

A verdade, vista sob esse prisma, teria que dar conta de todos esses aspectos. Como disse um filósofo alemão, a verdade é o todo. Se fôssemos capazes de dar conta de todos os aspectos de um único elétron circulando a eletrosfera do átomo de hidrogênio, provavelmente levaríamos séculos escrevendo sem parar durante todos os segundos do dia. E ainda assim talvez não déssemos conta. Outra eternidade levaria para falar do comportamento do único próton que ele possui. E tempo ainda maior para explicar por que ele não tem nêutron! Para reunir toda a percepção para explicar um único átomo de hidrogênio levaríamos outra eternidade. E para explicar todos os átomos de hidrogênio do universo? E de todos os átomos existentes? E das moléculas que elas formam? E somo se passa das moléculas para a biologia?

Se fôssemos capazes de dar conta de tudo sobre cada parte da realidade produziríamos uma verdade para cada uma. Mas a realidade precisaria parar, não mudar jamais, ser eternamente imutável, para poder ser verdade. Porque a verdade não muda. É a mesma hoje, como terá que ter sido durante a eternidade passada e terá que ser ao longo de toda a eternidade futura. E isso apenas para cada verdade particular, singela, simples, infinitamente pequena.

A realidade, ao que tudo indica, é infinita, no sentido de que é composta de tantas partes e aspectos que não conseguimos sequer imaginá-la. Quando olhamos uma cadeira, a cadeira é uma parte dessa realidade; mas se olhamos mais de perto, ela se transformará em uma fileira insondável de moléculas; mais aproximado ainda ela se tornará aglomerados de átomos; e se continuarmos chegaremos ao que a ciência apenas pode pressupor sobre as partículas fundamentais, como o bóson de Higgs.

Se houver uma verdade, ainda que parcial, simples, singela, infinitamente localizada, não pode ser acessada, ainda, pelos cientistas. Não de forma sóbria, honesta, humilde. A não ser que o cientista salte para fora da ciência, o que não é demérito de ninguém, porque, mais cedo ou mais tarde, todos os seres humanos dão esse salto. Mas é preciso admitir, ter consciência, de que não há discurso e nem percepção humana capazes de dar conta da realidade-em-si, como diria o mesmo filósofo alemão.

Quando saltamos para fora da ciência, quase sempre entramos no campo das crenças. Crença é acreditar que algo é da forma como falamos e pronto. Na crença não há possibilidade do discurso do outro estar correto. Apenas nós estamos certos. Os outros tanto não estarão com a verdade quanto serão inimigos dela, porque o nosso discurso é o real, a verdade.

Todas as vezes que não admitimos que outra percepção seja uma parte da realidade entramos no campo da religião. Transformamos nossas falsas ou verdadeiras concepções da realidade em dogma. Muitas vezes os cientistas fazem isso de forma inconsciente, mas em muitas outras o fazemos de forma desonesta. É preciso conhecer a ciência e suas muitas limitações para que possamos agir com sobriedade em um mundo cujos dogmas estão, cada vez mais, se colocando como verdades. E verdade, como os dogmas, não se questiona. Eles existem para serem cridos e obedecidos.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...