sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Acreditas na Ciência?

Parece haver uma grande contradição em um fato que tem se tornado corriqueiro: pessoas desesperadas querendo se apegar à verdade da ciência. Isso faz emergir da mente dos cientistas pelo menos duas indagações. A primeira é relativa à possibilidade de se acreditar em alguém ou algo que não se conhece. A segunda é ainda mais desoladora: como buscar a verdade em algo que não a pode garantir? Aqui vamos esclarecer essas duas indagações para que se possa decidir ou não acerca da possibilidade (ou não) de se acreditar na ciência.

Vejamos a possibilidade de se acreditar naquilo que não se conhece. Conhecer é explicar. Um conhecimento é uma explicação qualquer sobre alguém ou sobre alguma coisa. Quando digo que João é uma pessoa maravilhosa porque está sempre disposto a ajudar as pessoas, estou dando uma explicação da maravilha de João, que reside em sua disposição à generosidade. E quanto mais explicações eu consigo sobre as maravilhas de João e outros aspectos de sua vida, mais conhecimentos eu tenho sobre ele.

Mas não bastam apenas as quantidades de explicações. É preciso que elas tenham qualidade. João está sempre disposto a ajudar a carregar as compras, lavar o carro, limpar a calçada, lavar a casa e lavar as louças. Mas quando ele carrega as compras, quebra os produtos mais frágeis; quando lava o carro, molha os bancos de uma tal forma que eles ficam com cheiro insuportável; quando limpa a calçada, gasta material de higiene demais; e quando lava as louças, quebra a maior parte. Veja: a qualidade da ajuda de João é baixa.

Diante disso, volto novamente à questão: é possível confiar em algo que desconhecemos? É possível confiar na ciência, se não sei como ela funciona, não sei o que ela produz, não sei quem a produz, não sei como ter acesso a ela? Em termos comparativos: é possível confiar em um avião feito de papel, se não sei como ele funciona e nem quem vai pilotá-lo?

A ciência está em todo lugar. Está na política, na gestão pública, nas estrelas, no corpo humano, nas águas, nas árvores, enfim, em praticamente tudo. Quando eu digo que acredito na ciência, estou dizendo que sei como a ciência funciona em todos esses setores das vidas. Por exemplo, a ciência da Administração mostra que eleição não é a forma mais adequada de escolher gestores de organizações. Se as pessoas realmente acreditassem na ciência, não aceitariam as eleições para essa finalidade. 

Disso advém que as pessoas não acreditam ou acreditam na ciência. As pessoas simplesmente a aceitam ou a rejeitam, duas coisas muito diferentes. Acreditar ou não exige conhecimento. E não qualquer conhecimento, naturalmente, mas com a quantidade e a qualidade necessária para estabelecerem um juízo de fato, não de valor. Aceitar é menos oneroso porque é um ato que reflete um querer, vontade. Se eu quero comer laranja, eu aceito comê-la.

A segunda questão é desoladora. A ciência não consegue dar conta da verdade. Melhor ainda: a ciência não tem a mínima preocupação em dizer a verdade porque ela não consegue alcançar a verdade. A razão disso é muito simples: a verdade é uma condição de impossibilidade de erro. A verdade é sempre a perfeição. A explicação perfeita, o conhecimento infalível. E isso a ciência não consegue e não pode dar.

Tanto é assim que, para que um conhecimento possa ser considerado científico, tem que apresentar erro. É isso mesmo. O erro é uma das exigências de todo conhecimento científico porque permite que os outros cientistas (e não as pessoas que não são cientistas) afiram, confirmem ou não, a sua validade. O erro é sempre a diferença entre a realidade e o que supomos que ela seja. Dito de forma um pouco exagerada, é a diferença entre a verdade e o que a ciência diz. Um conhecimento é válido quando essa diferença é pequena e, portanto, aceitável pelos outros cientistas. Aliás, são os cientistas que determinam se um conhecimento é ou não válido.

Por causa justamente da bendita diferença entre a realidade e o que a ciência fala, que chamamos de margem de erro, há inúmeras explicações para o comportamento da mesma coisa. É o caso das vacinas. Tanto é plausível (palavra que quer dizer possibilidade real) que uma vacina tenha 50% de eficácia (palavra que quer dizer alcançar um objetivo, que no caso das vacinas é a imunização) e outra 90%. Tanto é possível que um procedimento pedagógico consiga fazer quase todos os alunos de uma turma serem gênios quanto noutra turma provocar um efeito expressivamente menor). Dito de forma mais clara: a ciência tem inúmeras explicações para a mesma coisa. E essas explicações podem até ser aparentemente contraditórias.

Se as pessoas acreditam na ciência devido a alguma ideia de verdade, estão redondamente enganadas. Se é a verdade que as pessoas procuram o distanciamento da ciência é o ato mais recomendado. Como lida com conhecimentos centrados na ideia de erro, tudo o que a ciência fala é extremamente limitado (outra exigência das explicações científicas) e variado. Assim, se acreditam na ciência, devem abandonar a noção de verdade e abraçar a concepção de probabilidade. E, por extensão, parar com a infantilidade de achar que o que o cientista A fala é a única explicação da ciência, em detrimento do conhecimento produzido pelos cientistas B, C, D e E, que afirma o contrário do que fala o cientista A. No fundo, a contradição é apenas aparente. Fruto justamente daquilo que a ciência tem de mais humano: a imperfeição traduzida na ideia de erro. Mas, apesar dos pesares, ainda é o conhecimento mais confiável que existe.

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