sexta-feira, 26 de junho de 2020

Por Que não és Feliz?

Muito se tem falado sobre a felicidade e muito pouco ainda se sabe efetivamente sobre esse fenômeno extraordinário. Alguns têm a sua própria receita para alcançá-la e acham que podem ensiná-la aos outros, principalmente se os outros estiverem dispostos a pagar por isso. A maioria parece dormitar sobre alguns momentos ao longo de suas vidas que tiveram a oportunidade de sentirem felizes. Ainda que as receitas dos chamados especialistas em felicidades não sejam confiáveis, parece que há uma lógica entre as vivências felizes relatadas por muita gente.

Grande parte desses relatos se concentram em dois momentos. O primeiro é quando estão fazendo alguma coisa, o exato instante em que produzem algo, de maneira que o agir, a operacionalização parece ser uma das fontes de felicidade. Os relatos dessa primeira forma denunciam uma espécie de prazer muito forte e diferente dos demais prazeres da vida.

Uma enfermeira certa vez me falou que encontra muitas dificuldades para chegar ao trabalho. Começa pelas várias tarefas que tem que fazer em casa, antes de sair, prossegue com a rotina de preparar e levar os filhos à escola, continua com as várias horas que permanece no trânsito pesado e barulhento e perdura até enfrentar os olhos sempre encolerizados da chefa. Mas milagrosamente começa a desaparecer completamente quando ela começa a tratar das pessoas. Cada procedimento é como se ela fosse tomada de um profundo bem estar que a fizesse flutuar.

Certa vez uma diarista me falou coisas comoventes neste sentido. Ela dizia que era muito feliz com o que fazia. Era feliz de verdade. Seus relatos mostravam que tudo o que fazia durante o seu trabalho era uma forma de desafio que ela colocava para si mesma deixar aquele local o mais limpo, belo e perfumado como ninguém jamais deixara antes, inclusive ela. E à medida que ia fazendo as coisas, ia percebendo a transformação que estava produzindo em cada centímetro de chão, cada milímetro de móvel, cada decímetro de parede. No final de cada pequena peça de móvel ou pedaço de chão, ela comparava aquela primeira imagem com a que acabara de produzir. E aquela sensação fantástica de bem estar e leveza lhe tomava o corpo todo, deixando-lhe extasiada. Seus olhos brilhavam à medida que ela relatava essas coisas.

Inúmeros outros relatos parecidos me levaram à minha primeira conclusão, pelo menos parcial, de que o ato de fazer as coisas provoca uma sensação de bem estar profundo em algumas pessoas que elas não têm dúvida de que aquilo é felicidade. Já ouvi isso de jogadores profissionais e amadores de futebol, médicos muito dedicados, garis, cientistas, professores, cuidadores de idosos, pescadores, agricultores e dezenas de outros profissionais e artífices. Alguns artesãos, por exemplo, me disseram que têm uma sensação divina durante e após suas criações.

A segunda constatação é a de que fazer o bem traz felicidade. Nesta segunda modalidade, não é tanto o ato em si de fazer alguma coisa o centro da empolgação dos relatos, mas os resultados que aquilo que foi feito trouxe para algumas pessoas. A felicidade, portanto, é pelos benefícios gerados, o que dá uma sensação inquestionável de dever cumprido, de missão dada e realizada. Mas não é uma missão qualquer.

Uma amiga de longas datas não tem filhos, nem maridos, nem família. Quer dizer, sua família são seus animais. Mais precisamente, gatos e cães. Seu ofício é a corretagem de imóveis, que lhe dá muita satisfação. Mas apenas o cuidar dos animais lhe dá felicidade. Relatou que certa vez encontrou uma cadelinha abandonada na rua, atropelada, morrendo de frio, de madrugada chuvosa. Não teve dúvida: parou o carro, colocou a cadelinha no banco do carona e a levou para casa. Gastou muito dinheiro para recuperar a vida do animal. Depois de recuperada a saúde, sentiu uma felicidade tão grande que lhe faz chorar todas as vezes que relembra. E é assim com todos os animais que cuida.

Um ex-colega de trabalho é excelente profissional e rico. Tem uma família maravilhosa e harmoniosa. Essas coisas todas lhe dão profunda satisfação na vida. Mas todas as noites ele sai para alimentar aqueles não têm o que comer pelas ruas de sua cidade. Quando volta para casa, se sente tão leve e feliz que quase sempre lágrimas lhe caem dos olhos. Recentemente tem se dedicado também a levar alimento para famílias inteiras que, mesmo tendo uma habitação fixa, não têm o que comer.

Mas o que chama a atenção é que muitos casos de felicidades contínuas não têm essa separação de ofício profissional que dá satisfação e uma espécie de missão, que traz felicidade. Tem muita gente que é feliz tanto fazendo o bem no seu local de trabalho quanto em outras missões que eles se colocam. A razão disso é que elas fizeram do trabalho delas uma missão, da mesma forma que escolheram outras missões para também serem felizes.

E é justamente isso o que impressiona: as pessoas escolheram uma missão para serem felizes. Não foi vocação. Foi escolha pura e simples. Tanto é assim que conheço muita gente que não gostava do trabalho que executavam, mas que quando resolveram fazê-lo bem, detalhe por detalhe, passaram não apenas a gostar do que faziam, mas fundamentalmente a amá-lo. Daí o trabalho se transformou em missão. E toda missão amorosamente trabalhada provoca aquela sensação de leveza e bem estar da felicidade.

Isso nos leva a algumas constatações. A primeira é que a concentração em cada detalhe do que se faz, em cada etapa do que é feito, além de dissipar a fadiga do trabalho renova as energias das pessoas e as fazem se sentir muito bem, que é o sentimento de felicidade. A segunda é que quando as pessoas fazem coisas que beneficiam muito os outros e consideram esse fazer uma forma de missão, a cada vez que realizam o trabalho e constatam os benefícios gerados se enchem de uma leveza muito grande que vem da sensação do dever cumprido, que também lhes dá felicidade. A terceira é que a felicidade é resultado da ação, ainda que a sensação comece a acontecer no exato instante em que a ação é executada e se estende para além do final da execução, com aquela sensação de dever cumprido.

Alguém poderia até dizer que podemos estar confundindo satisfação com felicidade. Pode ser. Mas esses relatos permitem distinguir com clareza uma de outra. A satisfação, quando retirada sua fonte, cessa; a felicidade, quando retirada sua fonte, continua. Muitos se sentem extremamente satisfeitos em morar em lugares confortáveis, mas são infelizes; outros se sentem felizes,  mesmo morando nas ruas, porque fazem alguma coisa extraordinária, como se fosse sua missão. Inúmeros casos de pessoas que cuidavam das outras, atos que lhes davam profunda felicidade, continuavam com a sensação de felicidade depois de cumpridas suas missões.

Daí vem que a satisfação tem um contrário, que é a insatisfação, enquanto contrário de satisfação, algo como irritação. Mas não existe um contrário de felicidade. A infelicidade é apenas ilusão. Geralmente quando a pessoa se diz infeliz, de fato não é infelicidade o que sente, mas algo parecido com insatisfação com alguma coisa. Se felicidade é essa sensação de leveza, flutuação, a infelicidade, se existisse, seria o contrário, enquanto sensação de se enterrar, como se tivesse caído em areia movediça.

A fórmula da felicidade é essa: fazer o bem e procurar fazê-lo sempre cada vez melhor. A primeira parte da fórmula é o desafio de ver os beneficiários da nossa ação pelo menos satisfeitos, usufruindo dos benefícios que lhes proporcionamos, como sensação divina de dever muito bem cumprido. A segunda é um desafio da pessoa com ela mesma, no sentido de se fazer cada vez melhor, mais competente, mais hábil, mais ágil naquilo que se dispõe a fazer. E não importa se o que vai ser feito é um ofício profissional ou uma missão que a pessoa se colocou. Se trouxer o bem para os outros e se fizer cada vez melhor, a probabilidade de que seja feliz é muito grande.

domingo, 21 de junho de 2020

Tuas Atitudes são Evoluídas?

As atitudes são reações automáticas, quase instintuais, acerca daquilo que nos rodeia ou acontece. São uma espécie muito distinta do que se pode chamar ação. Esse caráter distintivo é justamente o seu caráter semi-instintual, meio impulsivo. Também são uma forma de reação a alguma coisa, de maneira que elas quase nunca iniciam um procedimento, mas reagem a algo, são consequências, não causas.

Também não podem ser confundida com os costumes, apesar de se assemelharem a eles. Os costumes são quase todos inconscientes, de forma que não se sabe o porquê de determinados comportamentos e crenças, e muito menos com os hábitos, que denotam quase sempre aspectos negativos. As atitudes podem ser deletérias ou benéficas. E é aqui que repousa a necessidade de se nos repensar como elas estruturam nossos procederes.

Todos os seres humanos (e talvez até alguns animais superiores, como os bonobos e chimpanzés) são capazes de perceber suas atividades. Isso implica na possibilidade de recolocá-las novamente nos nossos pensamentos depois que elas foram praticadas e serem objeto de reflexão. Como o mundo e as realidades mudam constantemente, também as atitudes precisam ser repensadas, tanto para evitar anacronismos quanto para inconveniências desastrosas.

Certo colega, todas as vezes que vê alguém fazendo alguma coisa, como que automaticamente começa a fazer o mesmo. Se alguém está lavando louças, sem perceber ele começa a lavá-las ou a secar as loucas já lavadas. Enquanto faz isso, continua a dialogar com a pessoa com a qual interage. Fazer o que o interlocutor está fazendo é como se fosse um pano de fundo da interação.

Outra atitude parecida é a que consiste em auxiliar o outro, mas com a devida aceitação prévia. Por exemplo, quando se vê alguém, conhecido ou desconhecido, muito atarefado, com muita coisa para fazer, a atitude natural é socorrer essa pessoa. Pode ser alguém tentando transportar um móvel de um lugar o outro, como um veículo ou mesa, mas também pode ser o socorro a indivíduos necessitados, que duas pessoas poderiam fazer melhor e mais rápido.

Essas atitudes benéficas, como demonstra a experiência, são aprendidas desde a mais tenra idade. Começam com a visualização, a vivência da atitude dos pais e das pessoas próximas, continuam com a imitação e se consolidam com a internalização quase inconsciente delas. É como um impulso que move essas pessoas a dividir o esforço do outro, amenizando-o.

Há inúmeras variantes dessas atitudes benéficas. Elas são praticadas quase sempre por pessoas que consideramos de coração bom. Contudo, é possível percebê-las nos que imaginamos ter um coração mau, como os homicidas. Quando eles veem alguém próximo com alguma necessidade que possam suprir o fazem automaticamente. Isso mostra mais uma vez que talvez fazer o bem seja nossa característica inata mais evidente.

Mas há as atitudes deletérias. Elas são o inverso daquelas que consideramos benéficas por duas razões. Primeiro, não visam à ajuda, cooperação e colaboração, mas ao impedimento de que o interlocutor ou indivíduo-alvo prossiga com o que está fazendo; e, segundo, sua finalidade, seu caráter teleológico, é o mal, a destruição.

A mais comum das atitudes deletérias é a indiferença. E, talvez, a menos perniciosa. Ela se dá pela falta de percepção de alguém em relação ao que o outro está fazendo. Imagine uma pessoa com várias sacolas de supermercado nas mãos, sem ter como chamar um táxi ou abrir uma porta. Pessoas passam ao redor, veem aquela situação quase desesperada e vão embora. Essa é a indiferença.

Inúmeros casos como de indiferença acontecem todos os dias com a gente, em casa e no trabalho. Se estamos fazendo alguma coisa e papéis caem no chão, há quem não se disponha a apanhá-los gentilmente. Se alguém está limpando a casa e precisa de ajuda, as outras podem ver essa necessidade sem que se disponham a ajudar. Se um colega está precisando de solução para um problema e sabemos resolver, se não o ajudarmos somos indiferentes. A doença da indiferença é curada com o autoconhecimento.

A segunda atitude mais perversa é a da crítica. A crítica é um veneno que precisa ser extirpado da mente e do coração de todos os seres humanos. Certa vez um senhor que vivia nas ruas foi acusado de maltratar um cachorro porque, para socorrê-lo durante um temporal, só conseguiu pegar o animal pela cauda. As pessoas, ao invés de ajudar no resgate, constrangeram aquele senhor acusando-o de maus tratos. Mas também acontece no trabalho, quando ninguém se dispõe a fazer alguma coisa e outro o faz, mas recebe a crítica por alguma coisa ter saído errado. Crítica é sempre veneno, destruição. O veneno da crítica só se extirpa com conhecimento e amor.

A terceira e mais grave de todas as atitudes deletérias é a sabotagem. A sabotagem é movida por um impulso com a intenção deliberada de que algo positivo feito por outras pessoas seja alcançado. A sabotagem não deseja o sucesso do outro ou que alguma coisa aconteça. Mas não o faz diretamente, às claras, à vista de todos. Age sempre às escondidas, disfarçada, para que o evento fracasse com um ar de naturalidade. Indivíduos sabotadores são doentes mentais severos que precisam de ajuda constante e intensa, psíquica e espiritual.

Nossas atitudes denotam nossa evolução humana, moral e espiritual. O aspecto humano é decorrente da capacidade de ver no outro as dificuldades e possibilidades que vemos em nós; a moral está vinculada à estética da vida e da harmonia entre tudo o que existe e acontece no mundo; e a espiritual é essa vinculação de tudo e de todos com o bem. Quando mais colaborativos, mais evoluídos, mais propensos às ajudas automáticas, que são nossas atitudes.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...