segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Sociedades de Negacionistas

 Tem aumentado visivelmente o número de pessoas que acusam outras de negacionistas. Com isso querem dizer duas coisas. A primeira é uma acusação um tanto quanto sórdida, de que os valores da ciência e sua grande contribuição para o bem estar da humanidade são criminosamente negados. A segunda é decorrente dessa: que eles, os acusadores, são fiéis seguidores da ciência e seus ditames? Será isso verdadeiro? Ou isso não passa de uma grande autoilusão a que os acusadores se aprisionaram?

Três são os centros das acusações contra os supostos negacionistas. O primeiro é a controversa negação da capacidade das vacinas em lidar com algumas patologias que assolam a humanidade, como o sarampo. A acusação é que as vacinas são medicamentos isentos de quaisquer malefícios ante os inúmeros benefícios que proporcionam a quem se vacina. O segundo é relativo à geometria do planeta, em que os supostos negacionistas divulgam a natureza plana da Terra. A nossa nave-mãe seria redonda, segundo os acusadores. E o terceiro diz respeito ao clima da terra, cuja acusação é de que os negacionistas discordam do aquecimento global.

Vamos olhar essas cenas de forma diferente. Vamos tentar agir como fazem os cientistas de verdade. A primeira providência seria levantar tudo o que a ciência sabe sobre os assuntos vacina, geometria do planeta e aquecimento global. Tudo mesmo. Tudo, naturalmente, que foi produzido com o uso do método científico. Produzido e publicado em revistas científicas confiáveis, o que significa ter sido submetido à avaliação dos outros cientistas dessas comunidades.

Não valem, aqui, por exemplo, textos de filosofia, por mais belos e críticos que eles sejam. Filosofia não é ciência. Também são desconsideradas até as próprias opiniões dos próprios cientistas. Opinião não é conhecimento científico. O que é publicado em jornal, revista e mídias sociais, então, nem pensar.

Quando isso é feito, tem-se o suprassumo do que efetivamente é confiável em termos de conhecimento. Daí uma coisa ia aparecer: a enormidade de constatações empíricas, práticas, diferentes feitas pela própria ciência. Constataríamos que não há consenso sobre grande parte do que o povo não científico considera certeza. Dada a diversidade de posições poderíamos até a nos convencer que, de fato, não há consenso. Mas os cientistas sabem que não é bem assim.

O que marca o conhecimento científico produzido com o seu célebre método é o erro. Todo conhecimento, para ser científico, tem que apresentar de forma explícita o erro que incorre. Os erros limitam aquilo que sabemos. Aliás, o que sabemos é tão pouco, tão reduzido ante a totalidade, que não seria irreal que considerássemos o pouco que sabemos como insignificante ante o que não sabemos. Mas é essa insignificância que ilumina um pouco e cada vez mais as sombras do que desconhecemos.

Se essa massa que acusa os outros de negacionistas soubesse disso, pensaria duas vezes antes de fazer qualquer acusação. É que as consequências são desastrosas. Vejamos apenas dois grandes e surpreendentes exemplos.

Dirigentes de instituições de pesquisas acusam os governantes de não levarem em consideração a ciência em suas decisões. Vale destacar, aqui, que essas acusações são relativas principalmente à pandemia, mas também para os investimentos em pesquisas. Na verdade, esses dirigentes são tão negacionistas quanto aqueles que eles acusam porque são alertados praticamente todos os dias sobre o amadorismo de suas gestões. Eles não levam em consideração o que a ciência da gestão sabe sobre gerenciamento. Acham que suas intuições e suas boas vontades são suficientes para o sucesso de suas gestões. E o resultado é o que se vê todo dia. Infelizmente, a maioria da população brasileira nem desconfia que o fato de não termos nenhum prêmio nobel é justamente devido ao negacionismo gerencial desses dirigentes.

Um número altamente considerável de acusadores dos negacionistas são professores. Mas eles nem desconfiam que são, eles próprios, os professores, os maiores negacionistas que existem. É muito difícil encontrar um professor universitário brasileiro que teve formação docente de base científica. E isso vale principalmente para os professores que cursaram licenciaturas, que deveriam saber como ensinar. Mas não sabem porque suas formações deixam de lado a ciência e se agarram na filosofia. Como consequência, sabem falar coisas desconexas sobre todas as coisas, mas são incapazes de fazer ciência porque desconhecem o método científico. Não sabem que o erro é o que caracteriza a ciência, não a verdade, que exigem a todo custo.

Evidentemente que não são apenas dirigentes institucionais e professores os negacionistas. Todos nós o somos. A ciência do Direito diz que devemos seguir as leis para que possamos viver em paz, mas não acreditamos nisso. Entendemos o que essa ciência fala, mas não acreditamos porque não pautamos nossa conduta em conformidade com as leis. Tanto é assim que não estudamos a legislação.

A neurociência diz que o cérebro tem um limite de armazenamento temporário de informações. E que colocar mais do que determinada capacidade é pura perda de tempo. Mas insistimos em estudar durantes horas e horas o mesmo assunto, simplesmente porque negamos as limitações físicas para tal. Resultado: em pouco tempo já não se sabe mais praticamente nada daquilo que consumiu nosso precioso tempo de vida.

A ciência médica diz que devemos exercitar nossas mentes e nossos corpos, para que diversas patologias fiquem distantes de nós. Entendemos a mensagem, mas não acreditamos na ciência. E ficamos anos e décadas no sedentarismos nos empanturrando de porcarias. E ainda nos revoltamos quando o corpo cobra seu preço através da invalidez permanente ou por intermédio da morte.

O que fica claro com esse  movimento de acusações de negacionismo é a profunda ignorância dos acusadores. Além de má fé, essas atitudes são criminosas. São, como dizem no Norte, os sujos falando mal dos mal lavados. É como um colega cientista falou: "quando vejo alguém acusando o outro de negacionismo, não tenho dúvida de que estou diante de alguém que desconhece completamente a ciência". Como é uma figura respeitada no mundo todo, parei para coletar evidências.

Para minha surpresa, os cientistas de verdade não acusam ninguém. Chamo cientista de verdade àqueles que têm dezenas de artigos científicos publicados em revistas de alta confiança internacional onde o método científico se destaca. Os grandes acusadores, além do povão, são pessoas que se dizem pesquisadoras, mas que seus currículos são recheados de textos sem relevância científica alguma. Quase sempre seus textos são difíceis de enquadrar até como filosofias. Eu diria, com grande chance de acertar, que são textos de opiniões. Noutras palavras, conhecem tanto a ciência quanto o povão que nunca foi à escola.

Por essas razões tenho uma recomendação para todos os não cientistas. Quando virem alguém falando suposta bobagem, algo como um negacionismo, que tentasse pensar assim "será que não falo tanta bobagem quanto essa pessoa?" ou "será que as coisas que eu penso que estejam de acordo com a ciência realmente estão?". Faça como Renée Descartes: desconfie de você mesmo. Desconfie daquilo que imagina que sabe. E, se você for corajoso(a), vá em frente. Aprenda tudo o que a ciência sabe sobre a suposta bobagem que você estava pronto(a) para acusar de negacionismo. Quem sabe se, com isso, você não teria a mesma atitude dos verdadeiros cientistas, de ficar calado(a) e entender que ninguém sabe tudo do pouco que a ciência explica?

3 comentários:

SILVESTRE disse...


Excelente texto Prof. como sempre tratando as questões do momento com objetividade e Excelência absoluta.



Silvestre S, Souza

Heloisa Helena Figueiredo disse...

Seu artigo (assim que o classifico pela importancia que ele carrega) nos permite repensar as atitudes diante essa avassaladora enxurrada de pseudos cientistas que se utilizam dessa parcialidade que tomou conra do mundo, em especial do Brasil, para descorrerem um rosario de impropriedade sobre diversos principios da ciência. Excelente!!!

Daniel Nascimento-e-Silva, PhD disse...

Verdade... que isso sirva de exemplo para que a nossa capacidade natural para pensar de múltiplas perspectivas não seja mais tolhida ao longo de todas as etapas do ensino formal. Precisamos confiar desconfiando, colocando ao crivo da razão e da experimentação aquilo que vemos e ouvimos.

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