segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Estranho Amor

O que têm em comum as acusações de "Bolsonaro genocida" e "Luladrão", os desejos de ver alguém apodrecer na cadeia ou imaginar que o outro só ficou rico porque roubou ou faz tráfico de drogas? O que toda crítica, tanto as chamadas construtivas quanto as criminosamente destrutivas, todo ato invejoso, todas as atitudes de ciúmes e todas as fofocas comungam? Pode parecer estranho, mas são todas manifestações de amor. Sim, você não leu errado. Tudo isso são formas de amar. São maneiras estranhas, isso é incontestável, mas são atos de amor. Vejamos o porquê.

A primeira coisa que temos que fazer é saber o que é o amor. Para isso é necessário conhecer a sua fonte, que é o verbo amar. Muita gente acredita piamente que amar é um sentimento, algo que vem do coração. Pode até ser. Mas não é só isso. Quer dizer, amar é muito, mas muito mais do que isso. Talvez o sentimento seja apenas um reflexo tímido do que essa pequena palavra quer dizer e representar. A significação latina realmente diz que amar é um sentimento, mas línguas mais antigas vão além, como é o caso do hebraico e de outras línguas semitas.

Talvez a palavra portuguesa que mais represente com fidelidade o sentido do verbo amar é cuidar. É exatamente essa a significação, por exemplo, do pedido do Cristo para que amássemos ao nosso próximo, a nós e a Deus. Quando cuido de mim, aprendendo e agindo no bem, estou me amando. Quando cuido das pessoas que estão ao meu redor e outros mais além, também estou amando. Quando cuido de cada coisa que Deus fez, também estou amando o Criador. Então amar é fazer alguma coisa, agir, cuidar.

Quando estamos cuidando, estamos demonstrando amor. E quando esse cuidar é muito profundo, um sentimento de bem-estar nos invade e toma conta do nosso coração. É daí que vem a impressão de que o amor é um sentimento, quando, na verdade, é seu reflexo.

E o que seria a ausência do amor? Simples. Se amar é agir, cuidar, fazer alguma coisa, o não amor seria o não agir, o não cuidar, o não fazer alguma coisa, óbvio. Por essa razão, o contrário do amor é a indiferença. E ser indiferente quer dizer não se importar com o outro, não se importar consigo mesmo e nem com Deus. Ser indiferente é não fazer nada, absolutamente nada para nada e para ninguém. Essa é a segunda constatação que se tem que fazer. A primeira é que amar é agir.

Daí advém a conclusão de que o ódio, ciúme, inveja e toda forma de expressão maldosa contra nós mesmos, contra os outros e contra Deus não é desamor, não é indiferença. Quando estamos odiando, acusando, ofendendo, maltratando, enfim, fazendo maldade, não estamos sendo indiferentes. Estamos agindo. Estamos amando. Sim, isso é amor (lembre-se de que o contrário do amor é a indiferença). Só que é um amor enlouquecido, que perdeu a razão. É torpe, desditoso, sórdido. Mas é amor.

A ciência tradicional (como a psicologia e as neurociências) e as ciências espirituais mostram que a inveja é o desejo de ter o que o outro tem. E por essa razão é que odiamos quem tem o que eu não tenho e quero ter. O mesmo acontece com o ciumento, que tem medo de perder aquilo que ele imagina que é dele, como o milhão na sua conta bancária ou os prazeres de seu cônjuge. Em ambos os casos não há indiferença. Há ação. Ação desditosa, maldosa, sem dúvida, mas é ação.

O que acontece é que, na verdade, as pessoas odeiam não é quem tem aquilo que ela não tem, como no caso do ciumento, mas o que ela tem. Eu não odeio o João, que tem um milhão de reais em sua conta bancária. Eu odeio não ter um milhão na minha conta. José não sofre por causa de Maria. Seu sofrimento é motivado pela possibilidade (quase sempre fantasiosa) de perder a esposa. Ele tem medo da possibilidade, não de Maria.

É o que acontece com os que acusam Bolsonaro e Lula. Eles não odeiam Bolsonaro ou Lula. Eles odeiam não fazer e não ter o que esses dois irmãos têm. Se eles tivessem, não odiariam. A acusação de um e de outro é apenas subterfúgio do cérebro em busca de um culpado para aquilo que eu gostaria de ter, ser, fazer, enfim, praticar. É isso, na verdade, o que eles amam ou gostariam de amar.

Todo ódio, toda maldade, realizada ou manifesta em formas de acusações é sempre uma manifestação de desejo, como diz a psicanálise. É um amor que enlouqueceu porque quem odeia coloca essa possibilidade de amar (de ser presidente, de falar incivilidades como um é acusado, de roubar, conforme as acusações contra o outro) na ordem do impossível. Se fosse possível, procuraria um caminho para materializar a possibilidade. Como se vê incapaz, acusa, grita, ladra.

Alguém poderia perguntar, com toda razão, se é lícito deixar o maldoso impune, já que toda acusação é uma forma estranha, esquisita de amar. A resposta também é simples: esse é uma competência exclusiva da justiça, ainda que ela seja uma iniciativa sua. Outra coisa que pode ser feito é agir sempre, em todas as situações, de uma forma impecável, irrepreensível, dentro da lei e de forma amorosamente louvável. Mas, feito o seu papel ditosamente amoroso, continuar a esbravejar é manifestar seu amor sordidamente enlouquecido.

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