terça-feira, 30 de novembro de 2021

Quando Começas?

A procrastinação é uma doença. Ela é o fato costumeiro de deixar tudo o que se pode e se deve fazer agora para depois. Procrastinar é adiar. Adiar uma ou outra vez, até que é algo normal na vida de qualquer pessoa. Ela se torna uma doença quando a gente se acostuma a adiar coisas fundamentais para a vida e que, por isso, compromete séria e decisivamente o nosso futuro. Mas por que que isso acontece?

Zizita tinha o hábito de não obedecer aos pais desde a mais tenra idade. Seus pais pediam que ela não deixasse suas roupas no chão, mas a garotinha não obedecia e os pais acabavam desfazendo a bagunça. Na adolescência, não gostava de estudar. Imaginava que quando fosse adulta tomaria rumo na vida. A vida adulta chegou e a garota se convenceu de que ainda era muito jovem para se preocupar com o futuro, e resolveu viver a vida. Viver a vida era se embriagar constantemente e passar dias nas farras. 

O tempo foi passando e agora senhora madura achava que um bom casamento viria, mais cedo ou mais tarde, dada a sua formosura. O tempo passou e Zizita adentrou o mundo da terceira idade esperando que as benesses da aposentadoria por idade, sem contribuição, poderia lhe sorrir, ainda que uns míseros reais lhe fossem dados todos os meses. Não contou com a mudança das regras, que lhe deu as costas. Morreu tal como viveu.

Nossa personagem fictícia não foi disciplinada. E disciplina sempre significa gerenciar a si mesmo. E gerenciar é o desafio de alcançar objetivos a partir do uso comedido e racionalizado daquilo que se tem. Alcançar objetivos é a palavra mágica, que significa ter no futuro aquilo que se deseja agora. Para que um objetivo seja alcançado, portanto, é preciso primeiro delineá-lo, desenhá-lo com exatidão para, em seguida, começar o esforço de concretização. Se o objetivo diário da criança era não deixar suas roupas espalhadas pelo chão, o esforço deveria ser dela, para que ela entendesse que aquele objetivo não seria alcançado sem o seu esforço. 

Mas os pais estragaram tudo ao convencê-la desde a primeira vez que eles poderiam fazer o que a ela foi atribuído, caso ela não o fizesse. E a cada vez que a recusa em obedecer se repetia e os pais faziam a atribuição, mais o cérebro e a mente da garota se convenciam de que bastava recusar que as coisas lhe cairiam do céu. É justamente nessa primeira fase que se instaura a personalidade do indivíduo, como a base sobre qual serão edificados os alicerces, as pilastras do caráter.

A fase da adolescência é a consolidação do que se edificou na infância. Infraestruturas de personalidades satisfatoriamente construídas não encontram muitas dificuldades nos grandes testes que a transição para a fase adulta faz. Se Zizinha estivesse convencida através de experimentos diários de que todos os seus objetivos poderiam ser alcançados pelos milagres de seus esforços, fatalmente perceberia que era possível casar o gozo de momentos alegres da adolescência com a consolidação das bases que lhe trariam tranquilidade na fase adulta.

A prática da disciplina nessas duas fases fariam com que a garota tivesse demonstrações diárias de que é possível fazer sucesso com os diferentes "amigos" e ser aceito por eles (que é o que caracteriza a adolescência) e alcançar sucessos maiores dali em diante. Se foi possível alcançar objetivos na adolescência, bastaria que esforços continuassem sendo enveredados para a construção de uma vida adulta de prosperidade. Estudar ou adquirir habilidades profundas sobre alguma coisa seria a constatação natural de que deveriam receber maiores esforços, maiores investimentos.

O sucesso duradouro e permanente existe. O sucesso passageiro, fugaz, também. O que diferencia um do outro é justamente o quanto foi investido em cada um. Não em forma de dinheiro, apenas. Mas fundamentalmente em forma de tempo. Investir na disciplina e autodisciplina na infância começa a produzir resultados ainda naquela fase, mais o sucesso maior só aparece depois, na adolescência e vida adulta. Se o investimento diário continuar, as fases posteriores inevitavelmente serão de glórias. E isso precisa ser entendido: o investimento é diário. Diariamente é preciso agir.

Zizinha, então, não teria feito investimentos? Não passou toda a sua vida investindo seu tempo? Por incrível que pareça a resposta é "sim". Porém, não investiu em disciplina, nos valores necessários ao sucesso. Não fez, portanto, os investimentos requeridos para alcançar os objetivos desejados. O valor investido (desobediência) levou ao resultado que ele obrigatoriamente vai trazer, que é o fracasso em forma de situações indesejadas. Se eu planto melancia, não posso, jamais, querer colher amendoim.

Mas o que não devemos desconsiderar é que a nossa personagem estava consciente de que deveria trilhar determinado trajeto. E esse trajeto era o de uma vida adulta boa, em que tivesse as benesses do dinheiro e tudo o que eles pode comprar, como bens luxuosos, casas confortáveis, viagens prazerosas e assim por diante. Era isso o que ela e toda a torcida do flamengo deseja. Só que não quis fazer os investimentos, principalmente em forma de tempo e esforço, para tal. Queria os bens, mas não queria ceder os vinténs. E por isso procrastinava. O seu cérebro estava convencido racionalmente da relação custo x benefício, mas a sua alma recusava a aceitar.

Por isso se tornou especialista em procrastinar. Viveu a vida toda se recusando a obedecer o que o cérebro lhe recomendava, mas a sua alma indomada se fechava a todas as recomendações. É que sua alma não aprendeu que é fazendo agora que o amanhã nos traz o que queremos. O cérebro estava pronto para o trabalho, mas sua alma ainda acreditava que a natureza poderia corromper todas as suas leis para atender aos seus caprichos, naquilo que os insensatos chamam de milagres (o que não quer dizer que milagres não existam).

Conheci um indivíduo que levou 18 anos tentando passar no doutorado em economia de uma renomada universidade brasileira. Conseguiu. Uma amiga maravilhosa tentou 25 anos entrar no curso de medicina de uma universidade não tanto famosa. Conseguiu. Outro tentou ser médico, sem sucesso, por 14 anos. Depois trabalhou com outra profissão por 30 anos até se aposentar. Novamente tentou o seu sonho por mais oito anos até conseguir. Esses exemplos mostram que o sucesso pode demorar, mas ele vem, se o esforço e os investimentos continuarem. 

Essas coisas da realidade, da vivência, os procrastinadores desconhecem porque lhes foi barrada a possibilidade de aprendizado na primeira infância. Não é por acaso que praticamente todas as terapias de recuperação deles tem início naquela fase da vida. E o que essas terapias ensinam, afinal? Três coisas.

A primeira é que grandes obras, resultados e sucessos são frutos de pequenos e constantes investimentos diários. São pequenos para que se possa acompanhar tanto a execução quanto o aprendizado que o pequeno resultado que se conquista. Aqui vem a constatação de que o grande sucesso é a somatória desses inúmeros pequenos sucessos ao longo da vida. Constante porque os investimentos não podem parar. Não basta eu saber calcular teorema de Pitágoras. É preciso que eu aprenda inúmeras formas de usá-lo para resolver os meus problemas práticos do dia a dia. E a cada vez que eu obtenho sucesso eu reforço as fundações da minha confiança, em mim e nos outros; a cada vez que eu fracasso sou obrigado a ver onde eu errei para que eu não erre mais. O procrastinador teme o fracasso, por isso não investe. Essa insegurança é consequência de sua desobediência infantil.

A segunda é que não há sucesso mágico que seja permanente. Alguém pode ganhar na loteria e ficar milionário de uma hora para a outra. Tudo bem. Mas ninguém consegue ser um líder admirado por todos da noite para o dia. É preciso anos e anos de investimentos em aprendizados e prática desses aprendizados até que muita gente ateste tanto a honestidade quanto a acurácia de suas decisões e orientações. Nenhum indivíduo pobre financeiramente consegue ser bilionário e assim permanecer sem muita força de vontade e determinação. É preciso fazer agora o que se pode deixar para amanhã. O procrastinador só vê o hoje. Afinal, amanhã ninguém garante que ele estará vivo, argumenta.

A terceira é que tudo tem um custo. Quanto maior for o custo, quanto maiores os valores dos investimentos, maiores tendem a ser os resultados, o sucesso almejado. O procrastinador não investe nos valores adequados que lhe tragam os resultados pretendidos. Como demente, quer ganhar na loteria sem jogar, quer ser um Neymar sem aprender a chutar uma bola, sonha em ser famoso sem ter nenhuma habilidade admirável, quer sucesso sem investimento.

E o que fazer para evitar a procrastinação. Duas estratégias. A Estratégia Alfa diz que aquilo que for difícil de ser feito tem que ser dividido em etapas. É preciso dividir tanto que cada etapa possa ser executada sem grandes dificuldades. A ]Estratégia Beta recomenda aprender todo dia. Aprender não é apenas ouvir falar, mas saber fazer. Aquele que aprende a fazer coisas interessantes todos os dias, de fato, está treinando não procrastinar e, mais do que isso, tendo exemplos concretos de que é o saber que permite fazer coisas interessantes. É justamente esse saber que é negado na primeira infância.

Um comentário:

Luciney Martins disse...

Excelente texto! Certamente contribuirão para nos fazer refletir sobre a procrastinaçâo! Parabéns!!

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