segunda-feira, 28 de setembro de 2020

És sociável? Tens certeza?

Há uma confusão recorrente sobre o termo sociabilidade e sociável. Muita gente imagina dizer alô, oi ou tchau é ser sociável. Outros tomam a palavra como sinônima de enturmar, estar entre pessoas, o oposto de não estar sozinho, não ficar sozinho, especialmente em ambientes onde haja muita gente. Essa concepção equivocada pode gerar muitos conflitos.

João sempre foi uma pessoa com extrema capacidade de relacionamento. Falante, quase sempre era o centro das atenções dos lugares por onde passava. Galanteador, estava sempre atento a qualquer aspecto feminino para lançar algum de seus inusitados elogios. De grande humor, animava as pessoas com suas ironias e improvisos desconcertantes. Esse amigo era o exemplo quase perfeito do que se costuma chamar sociável.

Onde chegava, João não conseguia ficar um metro distante de outra pessoa. Na verdade, jamais alguém o viu sozinho. Sempre que alguém dele se lembrava era sempre em situações onde estava se destacando pelas suas características de falante, galanteador e cômico. Em nenhuma outra situação era lembrado, nem quando precisavam de qualquer pessoa para algum tipo de trabalho ou situação considerada séria. Sintetizando, o amigo não era uma pessoa séria. Não podia ser levado a sério.

Tempos depois se soube que aquela figura sociável (altamente sociável, como muitos diziam) cometeu suicídio. A carta deixada mostrava que ele agia daquela forma para encobrir sua enorme solidão. Era tão só e triste que não suportava sua própria companhia. Não conseguia ficar sozinho, portanto. Era um verdadeiro martírio quando voltava para casa, quase sempre bêbado, para não se ver a sós consigo mesmo.

José era considerado antissocial e até mesmo antipático. Nos encontros sociais, fazia apenas o protocolo, como muitos diziam. Falava com todos, nessas ocasiões, preferencialmente com um boa noite a todos. Quando visitavam alguém de sua família que não ele, fazia as saudações normais e depois se retirava, deixando a visita a sós com quem ela veio visitar. Se interpelado, interagia com normalidade, no menor espaço de tempo possível.

Esse amigo era envolvido com inúmeros projetos e ações. Participava ativamente de diversos grupos de estudos sobre meio ambiente, através do qual ajudava a recuperar ambientes degradados e a cuidar de animais retirados de seus ambientes naturais. Trabalhava com cobrança de tributos e por essa razão conhecia muita gente nas diversas comunidades de sua cidade. E dava atenção especial para aquelas que viviam nas ruas, com aquisição de alimentos e vestimentas que pudessem aliviar um pouco o sofrimento dessas pessoas.

Diversas vezes José foi visto praticando essas ações, ajudando aos outros, cuidando do meio ambiente. Sua concentração era tanta para fazer essas coisas bem feitas que parecia esquecer quem estava a seu lado. E isso, aos olhos dos outros, era sinônimo de antissociabilidade. Com sua família, era um pai e filho normal, mas reservava um tempo para meditar e conversar consigo mesmo.

Esses dois exemplos são prototípicos para diferenciar quem é e quem não é, de fato, sociável. O que distingue a sociabilidade da antissociabilidade é exatamente o significado da palavra social, que vem da palavra sócio, que, por sua vez, quer dizer companheiro, seguidor. E quem é o companheiro, afinal, se não aquele que cuida do outro? Se não aquele que, além de conviver, de estar ao lado, age sempre em benefício do outro?

Alguém sociável é, então, aquele que cuida do outro. É aquele que não deixa o outro sozinho em suas necessidades. É aquele que respeita a individualidade do outro e, portanto, sabe que todos precisam de um tempo para ficar sozinhos para dialogarem consigo mesmos. 

Se ser sociável é ser companheiro, é ser seguidor, a primeira companhia que ele conquista é a sua. O ser sociável, então, jamais será solitário, sozinho. Não porque esteja sempre junto de outras pessoas, mas fundamentalmente porque ama e preza a sua própria companhia. A sociabilidade começa e tem sua raiz no próprio indivíduo. Quem não é feliz consigo mesmo, quem não ama a si mesmo, não consegue ser feliz com o outro, ainda que esteja rodeado e seja o centro de bilhões de outras pessoas.

O indivíduo sociável não está com o outro porque precisa de companhia, mas porque é companhia necessária ao outro. Porque sabe que é capaz de ser companheiro quando o outro precisar. É por essa razão que a sociabilidade é sempre doação. É diferente, portanto, de João, que fazia palhaçada porque precisava de atenção. Era carente. E a carência lhe levava a essas atitudes extremas de ser engraçado a qualquer custo, de simular cavalheirismo, de não deixar que os outros falassem.

Por incrível que possa parecer, o indivíduo sociável age muitas vezes sem que os outros saibam. É um parceiro oculto, anônimo. O que lhe interessa não é a ação em si, mas o efeito dela em proveito do outro. É um companheiro de fato, especialmente diante das necessidades, quando até os amigos desaparecem. Ser sociável é ser capaz de ajudar de forma nobre e desinteressada

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