segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O Mundo Não é como Tu o Vês

Confiamos demais nos nossos sentidos. Olhamos para o céu e o vemos da cor azul celeste, mas também o vemos cinza-escuro, como nos prenúncios de tempestades. Nos crepúsculos podemos vê-lo amarelado, outras vezes até arroseado e amarronzado. Mas, por incrível que isso possa parecer, essas diferentes visões apontam justamente na enormidade de possibilidades de manifestações visuais do nosso astro. Enormidade significa que ele não é de apenas um jeito. As coisas mudam o tempo todo. E os nossos sentidos começam a nos enganar.

Para que a gente entenda por que o mundo não é do jeito que a gente vê, é preciso que compreendamos três coisas. A primeira é o óbvio, que tudo muda. O sol muda de cores durante todo o dia. Mas ele não muda apenas de cores, muda todos os seus componentes a cada segundo. Por exemplo, seu estoque de oxigênio está se esgotando e se transformando em hélio. Mas isso não percebemos olhamos para o céu azulzinho, provocado justamente pela luminosidade do nosso astro-rei.

A cada segundo, o sol expele, coloca para fora, milhões e milhões de tonelada de sua massa em forma de jatos de plasmas. Além disso, faz jorrar material radiativo o tempo todo, que atinge todos os componentes do sistema solar. Essa dinâmica toda não é percebida pelos nossos sentidos. Quando falamos do sol, falamos apenas de uma ideia muito deformada dele. Na verdade, não o conhecemos.

O segundo motivo é a consequência da primeira: cada um de nós muda o tempo todo. Ainda que não percebamos, o tempo todo estamos aprendendo. E é por meio do aprendizado que cada componente do nosso corpo, por exemplo, é provocado e instado a mudar. Como eles mudam, mudamos nós também, inclusive e principalmente, o nosso corpo mental.

Se na infância víamos o sol de forma amorosa e romântica, para quem é obrigado a trabalhar sob sua intensa luminosidade aquele romantismo pode se ter transformado em dor. Não é fácil nem para o corpo e nem para a mente suportar altas temperaturas sem que acelere sua destruição. Nosso corpo muda e muda a nossa percepção das coisas.

O terceiro motivo é tanto consequência quanto inferência das duas primeiras: ninguém é igual ao outro. João é diferente de Maria não apenas no sexo (gênero não existe), mas fundamentalmente pelo seu estoque de vivências e aprendizados. Traumas, por exemplo, fazem as pessoas terem sentimentos diferentes das outras em relação à mesma coisa. Tem gente adulta que tem pavor de gatos, enquanto outras os amam com devoção.

Gêmeos univitelinos que apresentam quase todo o material genético parecido são extremamente diferentes em muitas coisas (e parecidos em poucas delas). Podem apresentar sentimentos diferentes e pensar de formas antagônicas, por exemplo. Ainda que sejam 99% iguais em termos genéticos, são praticamente 99% diferentes em termos de percepção e compreensão dos fatos e fenômenos do mundo.

O mundo jamais é do jeito que a gente pensa que é. O que vale para o sol vale para tudo. A árvore não é do jeito que a gente a vê e muito menos os políticos que nos governam. Não dá sequer para imaginar o que se passa na cabeça de um único deles, imagina de um partido todo! Ainda que utilizemos todos os recursos tecnológicos disponíveis, não dá para entender tudo de uma castanheira.

Se o pensamento de Maria é parecido com o de José, isso é apenas aparência. Na verdade, é o que eu imagino, que é outra forma de ilusão. É ilusão porque desconheço tanto o pensamento de Maria quanto o de José e mais ainda como o pensamento de cada um acontece dentro de seus corpos físico e mental. Se eu não sei de fato e chego a uma conclusão sobre o que eu não sei, essa conclusão é apenas uma especulação, que é outra forma de me iludir.

Ainda que Maria e José me dissessem quais são os seus pensamentos e como eles pensam, ainda assim isso não passaria de ilusão. Ninguém conhece a si mesmo a ponto de dizer coisas como essas com exatidão. Elas expressam apenas o que sentem, suas impressões do sentido, que são coisas completamente diferentes da realidade como ela é.

Uma coisa é o que eu penso sobre João, que pode me parecer a pessoa mais bondosa do mundo. Mas, de fato João só será assim se ele permanecer assim para sempre e eu tivesse a capacidade de não mudar a minha forma de imaginar sobre como as coisas são. Como eu mudo e as coisas do mundo também, sou obrigado a aceitar o que os outros me dizem, confiando neles, para que eu possa ter certa segurança sobre as coisas da vida e possa conviver com as pessoas. 

Mas essa confiança deve ser sempre seguida de uma certa desconfiança. Por quê? Por que as pessoas são sempre desonestas? Não. Porque as pessoas se enganam. Seus sentidos as levam ao engano, tanto sobre as coisas do mundo quanto sobre elas mesmas. Quantas e quantas vezes já imaginamos sermos capazes de fazer certa coisa e, na hora H, fracassamos?

Mas isso quer dizer que não vemos a realidade? Que tudo o que vemos é falso? A resposta mais adequada é um sono Não. O que vemos e sentimos também fazem parte da realidade. Mas são partes parciais, com o perdão do pleonasmo. Não devemos confiar perdidamente no que vemos, sentimos ou pensamos. Por exemplo, se alguém gosta do partido político A e eu gosto de C não significa que A é ruim e o meu bom. Todos têm o mesmo direito de gostar do partido Z, WQ e qualquer outro, tanto quanto eu do meu.

Queremos mostrar que todos veem apenas uma parte da realidade. Ninguém pode se aventurar a ser o rei da verdade. O que o menos escolarizado ser humano disser não pode ser tomado como inferior ao que disser o mais alto PhD em Astronomia. Um pescador analfabeto pode ser um gênio da pescaria, tanto quanto o doutor o é em relação ao universo.

Respeitar o que o outro sabe é ser sábio. E essa sabedoria vem justamente da compreensão de que o que vemos é apenas parte do real e que a compreensão do outro me ajuda a aumentar a minha própria compreensão. Assim, ao invés de eu querer me achar mais entendido que o outro, devo compartilhar com ele o que eu sei e receber com toda grandeza o conhecimento dele, para que eu possa melhorar o meu. Simples assim.

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