quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Incrementalmente

Nesta semana inventei um tempinho, achei um dentista disponível e extraí um molar. Ainda com os efeitos da anestesia, senti um conforto muito grande com o encaixe da mandíbula com o maxilar, os ossos de cima e de baixo da boca. Depois que a anestesia passou, a sensação de bem estar aumentou e se consolidou depois que as dores da picada da agulha cessaram. Uma sensação de leveza tão grande tomou conta de mim, como se eu tivesse me renovado completamente. As dores e desconfortos daquele dente deram lugar àquela felicidade que eu sentia novamente e que nem mais me lembrava que sentira antes.

O que me levou à extração foram os profundos desconfortos a que eu estava me submetendo ao seguir as recomendações de vários dentistas, para que eu me esforçasse ao máximo para manter o dente. A cada inflamação mais grave da gengiva eu recorria aos dentistas, pedia que o retirassem, mas me convencia do esforço para mantê-lo. Muitas vezes, quando a bochecha toda inflamava, eu saía de casa resoluto para extraí-lo, mas me deixava convencer novamente. E nisso se foram oito longos anos desde a primeira vez que o quis retirá-lo definitivamente.

Mas o que levou esse dente a gerar tamanho desconforto? Eu suspeito que foi a extração do ciso, décadas atrás. Pela minha explicação ignorante, quando tirei o ciso o molar teve sua proteção retirada também, de maneira que, mesmo com as adequadas escovações diárias, a perda óssea foi, muito lentamente, progredindo. Creio que tirei o ciso no início da década de 2000, provavelmente no ano 2002. Há 17 anos.

Meus registros dizem que a primeira vez que tive desconforto mais intenso com o molar foi em 2011, oito anos atrás. Então, durante nove anos tive, progressivamente, muito lentamente, a evolução do meu problema. A imagem que faço desse processo é de um progresso infinitesimal, microscópico, praticamente imperceptível. Todos os dias, então, toda semana, todos os meses durante todos esses anos, progressivamente, muito lentamente, o desconforto foi se implantando. E tudo terminou nesta semana.

Essa experiência me fez pensar nos sucessos e fracassos da vida. Cada grande sucesso é construído muito lentamente ao longo de muito tempo. Lembro dos casos de Pelé e Oscar Mão Santa, atletas de renome mundial. Ambos, todos os dias, ficavam muitas horas a mais treinando, sozinhos, detalhes dos procedimentos que realizavam depois, nos treinos e nos jogos. Pelé repetia centenas de vezes o mesmo chute, o mesmo drible, todos os dias; Oscar arremessava, todos os dias, milhares de vezes a bola à cesta.

Repetiam cada jogada porque erravam muito. Suas repetições visavam justamente a reduzir ao máximo possível os erros. Miravam ao acerto, mas estudavam seus erros. E repetiam, repetiam, incessantemente, incansavelmente. Como o meu dente. A cada tempo que eu provavelmente demorava ou fazia inadequadamente minha higiene, a perda óssea progredia. Ela não tinha pressa. Estava apenas atenta aos meus erros, à minha despreocupação comigo mesmo.

Não apenas Pelé e Oscar são exemplos da quase perfeição que os esforços contínuos, lentos, incrementais trazem. Zico é outro exemplo. Mas sua preocupação era apenas com a cobrança de faltas e dribles desconcertantes. Pelé e Oscar tinham múltiplos desafios em mente. Pelé, por exemplo, era tão bom goleiro quanto atacante.

Um grande amoroso amigo sonhava em estudar doutorado em economia na Unicamp. Durante 17 longos anos foi reprovado no processo seletivo, apesar de estudar todos os dias, a cada tempo que tinha disponível. Lentamente, muito incrementalmente, sua capacidade competitiva aumentava e seu conhecimento econômico se consolidava. E o resultado foi sua aprovação. O mesmo aconteceu com a senhora que tentou por 26 anos entrar para o curso de medicina. O esforço incremental um dia leva ao sucesso.

Alguns dos meus alunos querem escrever bem com algumas poucas tentativas. E chegam a se irritar quando eu os conserto, quando mostro onde erraram. Certo dia perguntei a dois deles quanto tempo por semana eles dedicam à musculação, à academia. Responderam duas horas diárias, muitas vezes até no domingo, nos últimos dez anos. E lhes mostrei que o corpo esculpido deles era a consequência dessa dedicação. A cada esforço os músculos respondiam, lentamente, moldando-se, esculpindo-se incrementalmente.

Os fracassos são incompletude dos esforços. Fracassamos quando paramos. Somos fracassados quando desistimos de alcançar aquilo que queremos. Pelé não seria o atleta do século, se não se dedicasse horas e horas além do horário de treino a praticar o que praticou, Oscar não seria o maior cestinha de toda a história, Zico não seria o melhor cobrador de faltas de todos os tempos e tampouco meu amigo teria realizado o seu sonho de ser doutor em economia pela Unicamp.

Sonhos não acontecem do dia para a noite. Isso é fantasia. Sonhos são construídos lentamente, devagar, ao longo de muito tempo. Muitas vezes as dores e o próprio sangue são requisitos sem os quais o sucesso não vem. Vejam os casos dos grandes guitarristas. É muito dolorido, no início, o corte que as cordas provocam nos dedos e o sangue chega a marcar e a manchar os instrumentos. Mas é preciso persistir com a dor e com o sangue, se não a crosta, espécie de calo que os cortes vão gerar, não se instala nos dedos. E essa dor se prolonga por meses e até anos, dependendo do grau de precisão e inovação sonora que se pretende obter.

Sei que, ao retirar o molar, outro dente ficou desprotegido. Isso quer dizer que novo processo lento, incremental, se iniciou, da perda óssea desse dente desprotegido. E muito provavelmente em mais ou menos tempo eu terei que lidar com as consequências dessa lei universal irrevogável. Mas essa é uma batalha que, agora, eu estou disposto a enfrentar, cujo objetivo é retardar ao máximo o desconforto e prolongar essa maravilhosa sensação de bem estar que voltei a sentir.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Remendos

Muitas vezes batemos os olhos em alguém e uma força maior do que nossa capacidade de controle toma conta da gente e nos faz fazer coisas terríveis. Não que tenhamos a sordidez de planejar o mal que inconscientemente produzimos. Mas o fato é que fazemos e apenas o longo passar do tempo, quando por diversas vezes tivermos passado de sujeito a objeto da maldade, poderá nos fazer reconhecer o mal que causamos.

Uma boa parte da minha infância foi de muitas necessidades. Tínhamos dificuldades, meu pai e eu, até de conseguir comida para sobreviver. Almas caridosas surgiram e aliviaram o fardo do meu pai para com a minha sobrevivência. Ganhei comida. Ganhei roupas e calçados usados.

Fiquei tão maravilhado com aquelas roupas novas, aqueles sapatos bonitos, que na minha cabeça eram todos novinhos em folha. Na verdade, nem passava pela minha cabeça sequer pensar no tempo que aquelas dádivas tinham.

Eu não tinha o que vestir. Lembro com muita nitidez de ter apenas dois calções, ambos com furos na parte traseira de tanto sentar no chão porque onde eu habitava não tinha cadeiras ou o que quer que seja para sentar. Eu usava as roupas com a parte de trás para a frente. É claro que eu sentia vergonha quando de vez em quando meu órgão genital ficava saliente, mas eu podia fazer o quê? Quando o rasgo aumentava, cometia o erro de colocar um calção por cima do outro. Como consequência, tinha dias que eu ficava pelado em casa, para que os dois calções pudessem secar.

Blusa? Só tinha uma. Não lembro uma única vez de ter usado blusas nessa época. Nem eu e nenhum dos moleques da minha vizinhança. Era comum, então, brincarmos nus nos quintais, nas ruas. Não por que quiséssemos, mas porque não tínhamos o que vestir. As roupas rasgadas, acreditem, eram uma espécie de roupa para sair, passear.

Quando eu vesti as roupas usadas que ganhei, meus vizinhos ficaram encantados. Todos me admiravam. Como eu estava bonito, diziam alguns. Como eu fiquei diferente, diziam outros. Fiquei até um homenzinho, diziam os mais velhos. E, claro, eu me vi feliz porque o ambiente daquelas pessoas miseráveis era de felicidade por mim.

Vesti a roupa e fui para a casa da família que as me deu. Eu passaria o dia lá, ajudando em pequenos afazeres, faria as refeições, teria aulas particulares e à tarde voltaria para casa, com uma penela de comida para o meu pai jantar. Muitas vezes era a única alimentação que ele faria.

As pessoas que não me conheciam pareciam conhecer tudo da minha roupa. Viam defeitos na bermuda, manchas na blusa e até um pequeno buraco na parte das axilas. E não se contentavam apenas em ver os defeitos da minha roupa. Queriam mostrar que aquilo era muito importante, infinitamente reprovável, inadmissivelmente aceitável, profundamente humilhante.

Acho que, se não fosse a felicidade tão grande que eu estava sentindo por estar naquelas roupas, talvez eu tivesse dado ouvidos para o que as pessoas que não me conheciam falavam. E mais ainda: as pessoas caridosas, que as me deram, estavam mais felizes do que eu.

Mas aquilo me chamou a atenção de alguma forma. Eu comecei a aprender com tão pouca idade que há pessoas que se incomodam demais com os remendos na roupa dos outros. Se preocupam tanto com os outros que se esquecem de cuidar de si mesmas.

Muitas e muitas vezes vi pessoas humilharem as outras porque eram pretas ou porque eram brancas demais. Mas as pessoas que humilhavam não percebiam que elas também tinham suas particularidades. Um menino magro demais, apelidado de palito (apelido que ele detestava), humilhava uma menina porque ela alta demais. O garoto muito rico humilhava os que não tinham dinheiro, mas não percebia que sua boca fedia demais quanto ele falava.

Mas o mais inacreditável é que todas essas pessoas tinham coisas maravilhosas. Seus defeitos, seus remendos eram tão pequenos em relação à enormidade de coisas boas que apresentavam que fica difícil de acreditar que ficávamos cegos para o bem e com super-visão para ver o mal.

O tempo passou, andei por muitos e muitos lugares e a mesma constatação: somos muito bons para ver os remendos dos outros, mas não conseguimos ver os nossos remendos e tampouco as coisas boas que os outros apresentam. E isso é tão sério que tem até corrente de sábios dedicados exclusivamente à detectação dos remendos dos outros. É tão sério que se consideram os caras mais avançados do planeta. Tão avançados que ridicularizam todos os que não se consideram especialistas em ver os remendos dos outros. Igual ao que acontecia na minha infância.

A vida que tenho agora me ensinou que as pessoas que vencem na vida, que são felizes de verdade, não estão nem aí para o remendo dos outros. Os olhos deles estão voltados para aquela enormidade de coisas boas que acho que todo mundo tem. Quem vive dos remendos dos outros não tem tempo para ser feliz. Felicidade é uma coisa que se conquista, que é construída dia a dia, hora a hora, segundo a segundo.

Hoje, olho para trás à procura de imagens do meu passado e me flagro sorrindo muitas vezes... São momentos de felicidades com as lembranças da pureza infantil que os remendos das minhas roupas nunca conseguiram tapar.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Sorrisos

Pouca gente dá importância para o sorriso, mas dificilmente alguém consegue se livrar dos laços energéticos do bem que ele irradia. Muita gente diz, com acerto, que o sorriso é a porta (ou janela) da alma. Se já tivéssemos olhos de ver, como dizem as escrituras, perceberíamos, no mínimo, uma tênue luz levemente azulada a envolver todo o corpo físico dos indivíduos que vivem com sorriso no rosto.

Isso não quer dizer que vivam sorrindo. Ainda que estejam chorando, vêem-se com nitidez traço de sorrisos em suas fisionomias. A razão disso é que o corpo físico apenas expressa o que o corpo espiritual contém. Se o corpo espiritual sofre, a expressão física é de sofrimento; se sorri, o sorriso fica estampado no rosto em quaisquer circunstâncias.

É fundamental, contudo, não confundir sorriso com riso ou achar graça. Esses dois são expressões de contentamentos temporários, efêmeros, passageiros. Acontecem quando ouvimos uma piada ou nos deparamos com alguma situação engraçada. Achar graça ou rir é consequência da emotividade do corpo. Sorrir, não.

O sorriso é o encantamento da alma. E jamais é passageiro. É que a alma, quando alcançou determinado nível de elevação, consegue ver com nitidez a beleza divina em tudo com o que se depara. A alma não vê apenas com os olhos. Todo o corpo espiritual é capaz de, simultaneamente, captar todos os diversos sentidos físicos e os inúmeros sentidos extrafísicos, que nós, revestidos de corpos de carne, não conseguimos experimentar.

O êxtase é o encantamento da alma. É o mesmo que epifania. A diferença é que esta é passageira, enquanto aquele é permanente. O que significa que praticamente todos os indivíduos que ainda estão prisioneiros do corpo físico, em algum momento da vida, já tiveram o gostinho do estado permanente de felicidade que os espíritos evoluídos já alcançaram.

Evolução é, portanto, a palavra-chave. E no sentido pleno significa se despojar de tudo o que aprisiona. E o meio através do qual isso acontece não é outro que não seja o conhecimento. Conhecimento dos segredos da vida, do mundo, da alma. Por isso que jamais devemos confundir conhecimento com escolaridade. Tanto é assim que há incontáveis doutores que pouco sabem, de maneira que dezenas de anos de estudos não foram suficientes para lhes acrescentar uma pequena fagulha de sorriso nos seus tristes rostos.

O conhecimento que leva à evolução se materializa no verbo servir. É a servilitude (não confundir com servidão) que faz com que o indivíduo aprenda cada vez mais formas de servir. E aprender quer dizer estudar, testar, comprovar a eficiência e a eficácia do que foi aprendido, primeiro nele mesmo, para depois ajudar aos outros. Como consequência, o indivíduo que sorri é humilde.

E humildade é justamente o reconhecimento de que se sabe muito, mas esse muito não é suficiente para que sirva a todos que precisam de ajuda. Isso gera uma série de consequências, como a impossibilidade do indivíduo que sorri em julgar quem quer que seja, imputar aos outros quaisquer responsabilidades, ainda que a razão leve a isso, como nos casos dos crimes bárbaros. É humilde porque reconhece que já foi assim um dia e que não é fácil se libertar da animalidade que mata.

Quem coloca a culpa nos outros é triste e precisa de ajuda. E é em momentos como esse que o indivíduo que sorri chora. Foi o que aconteceu com Cristo, por exemplo, que chorou o que seus algozes estavam fazendo com eles mesmos ao imolarem-no na cruz. A dor física e a injustiça são irrelevantes diante de tantas dívidas que os outros terão que pagar a si mesmos um dia. Os indivíduos que sorriem choram a chegada da conta futura.

E isso lhes faz excelentes conselheiros. Excelentes conselheiros jamais são críticos. Crítica, aliás, é algo que não faz mais parte nem do pensamento e nem das atitudes das almas elevadas. Eles são amorosos. Quem é crítico não consegue amar porque são prisioneiros de um egoísmo tão profundo que não lhes permite ver e nem reconhecer suas ignorâncias. Não têm saber, têm crenças. Crença tão monoideísta que a única coisa que dizem saber é que a crítica tem que ser praticada. E quem critica não consegue obter a intimidade necessária aos aconselhamentos.

Como já percorreram uma distância muito superior aos seus irmãos de convívio, os indivíduos que sorriem sabem que a estrada tem muitos perigos. E sabem, acima de tudo, que os perigos são arquitetados por nós mesmos. Para que não sucumbissem no passado, obtiveram ajuda de inúmeros irmãos de caminhada e de benfeitores que fizeram o caminho de volta para ajudar. E a cada vez que presenciam esses atos de amor, sorriem.

Sorriem para o nascer do dia e a infinidade de cores que a luz do sol traz, mas também sorriem para as entidades da noite e a necessidade do repouso. Sorriem a graça da vida, assim como sorriem o fim da vida carnal, porque sabem que o espírito é imortal. A morte é apenas a volta para casa depois de uma curta temporada por aqui. Sorriem porque vêem em tudo a mão amorosa de Deus.

E quando você encontrar por aí com alguém com um sorriso permanente no rosto, aprecie-no. Você estará na frente de alguém com quem vale a pena a proximidade física por alguns instantes. Não fique muito tempo, não conviva com ele. É provável que você não o suporte. Eles são como espelho: refletem o que somos.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Autonomia

A palavra autonomia parece ser desconhecida da maioria daqueles que a pronunciam. E por não saberem o seu significado, não sabem, na prática, o que essa palavra pretende que entendamos. Isso quer dizer que quase todos querem ser autônomos, quase todos querem autonomia, mas não estão dispostos a pagar o preço para isso. A razão disso é simples de ser entendida: assim como tudo na vida, a autonomia tem um preço, que varia com a "quantidade e intensidade" pretendida. Quanto maior a pretensão, maior o preço a ser pago. Vejamos isso mais de perto.

Etimologicamente, o termo autonomia é a junção de "auto" + "nomia". "Auto", do grego, significa "a si mesmo" e "nomia" quer dizer regra, normal, lei. Ao pé da letra, quer dizer "lei feita por si mesmo". Isso pode dar a impressão de que autonomia é o poder que alguém (ou uma organização) tem para fazer o que bem entender, já que é capaz de criar suas próprias leis. Mas não é isso. Ou melhor, não é "bem" assim.

A palavra tem que ser vista e compreendida como o processo final do desenvolvimento integral humano. Esse processo se inicia na fase intrauterina, que se caracteriza por ser "anômica", ou seja, sem lei, sem norma ("a" = não, sem + "nomia" = lei, norma). Essa fase deveria terminar quando o indivíduo começasse a aprender a obedecer, que é a característica da fase seguinte, a heteronomia (que vem de "hetero" = outro + "nomia", lei, norma). Essa mudança se dá aos poucos, quando a família ensina às crianças o que é certo e errado, o que a leva à obediência.

Todo indivíduo precisa aprender a obedecer as normas familiares e da sociedade, principalmente para que possa ajudar a aperfeiçoá-las, uma das características do indivíduo autônomo. É que obedecer significa conhecer a lei, saber como colocá-la em prática e praticá-la sob quaisquer circunstâncias.

Existem leis das pessoas (heteronomia) e leis das comunidades (socionomia). A socionomia é a terceira etapa do desenvolvimento das pessoas, onde se aprende que todo grupo tem normas e que essas normas precisam ser obedecidas. Quando o indivíduo não obedece as normas do grupo, tende a ser alvo de algum tipo de punição, como o isolamento e a indiferença. Quando transgride (não obedece) regras formais da comunidade (leis), pode até sofre sanções penais.

Não obedecer às leis não denota apenas ignorância, mas sobretudo incivilidade, atitude antissocial, típica das crianças, e que é uma marca da fase de anomia. As normas podem ser mudadas. Para isso, há que se conhecer os procedimentos, que é outra característica do indivíduo autônomo. Sob nenhuma circunstância as leis podem ser infringidas.

Quando o indivíduo está na fase de heteronomia, as leis são criadas pelos outros (pais, familiares etc.) para que ele não se machuque. Por isso dizem que "não pode" colocar o dedo na tomada de energia, "não pode" subir na mesa e assim por diante. Quando se está na fase de socionomia, as leis precisam ser obedecidas para que o indivíduo não machuque os outros e seja protegido das ações dos outros. Por isso "não pode" andar sem cinto de segurança nos automóveis e "não pode" roubar.

A etapa de autonomia é uma consequência natural das anteriores. E agora é fácil entender. Depois que o indivíduo aprendeu a obedecer as regras individuais e sociais, percebe que suas ações podem lhe ferir ou ferir alguém. E o que ele faz? Bingo!!! Ele cria suas próprias leis para complementar as leis existentes. Nenhuma de suas leis pode ferir as leis atuais. Suas leis estão em consonância com elas.

Isso tem implicações sérias para a vida humana associada. Vejamos um exemplo importantíssimo. Não há nenhuma lei que diz que o indivíduo tem que prover sua subsistência, que tem que conseguir dinheiro honestamente para que possa viver. Quando alguém decide procurar emprego ou obter uma qualificação profissional, está se colocando uma lei, uma norma. Se o indivíduo não conseguir dinheiro para subsistir e alguém o fizer, está abrindo mão de sua autonomia.

O mesmo acontece quando arranja emprego. No exato instante em que assina o contrato de trabalho está dizendo que abre mão de sua autonomia durante determinado período de tempo e passa a obedecer a alguém (heteronomia) ou grupo de pessoas (socionomia). E isso acontece também durante várias etapas da vida. Se alguém adoece e no hospital lhe dizem que deve tomar certa medicação em determinados horários, obedecer ao médico é heteronomia e ao hospital, socionomia.

A mesma regra vale para organizações, como empresas privadas e públicas. A autonomia organizacional é a capacidade que a organização tem de ditar suas próprias normas, seguir suas próprias leis, sem descumprir as leis existentes. E não há autonomia com dependência financeira. Toda forma de dependência é uma comprovação explícita da falta de autonomia organizacional e individual. Se uma organização pública não gera seu próprio dinheiro, não é autônoma e, portanto, deve obedecer a quem lhe supre. Se o indivíduo não provém suas necessidades de dinheiro, deve obedecer a quem o faz. Simples assim.

No caso de organizações, é simples ser autônoma: basta que consiga gerar seu próprio dinheiro e seus recursos. Dinheiro é um tipo de recurso e recurso é tudo aquilo que um indivíduo ou organização precisa. Se o indivíduo precisa de um celular para se comunicar com seus amigos, o celular é um recurso; se precisa de dinheiro para ir ao cinema, dinheiro é outro tipo de recurso. O mesmo vale para as organizações. Se a organização não consegue pagar seus fornecedores e precisa do dinheiro do dono, deve obediência e ele; se a empresa pública não consegue, deve obediência ao governo.

Quase todas as formas de incapacidade autônoma é decorrente da incapacidade de gerar seu próprio dinheiro. Pelo menos não em quantidade suficiente para suprir todas as suas necessidades. Organizações que são capazes de fazê-lo tem o máximo de autonomia possível. O mesmo vale para pessoas, regra que vale até para crianças, que fazem suas infantilidades dominar os próprios pais.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Colheitas Obrigatórias

Certo dia ouvi pela enésima vez um julgamento apressado muito comum sobre as origens do sucesso das pessoas. Ainda que com o peso da supersimplificação, a desonestidade tem sido apontada como a causa oculta do sucesso dos outros. De forma mais específica, o tráfico de drogas e o roubo puro e simples explicariam a comodidade que muitos indivíduos usufruem. Os chamados cientistas têm uma explicação ainda mais pavoneada para apontar a causa da riqueza de países e nações: a exploração dos outros países, nações e povos. Mas é isso mesmo?

Um caboco que conheço muito bem sempre foi muito dedicado aos estudos. Além de dedicado, foi abençoado com uma capacidade muito grande de aprender qualquer coisa. E aprendia muito rápido. Lembro que muitas vezes, quando a professora terminava de escrever as questões no quadro, para serem resolvidas logo em seguida, meu amigo terminava não apenas de transcrever as questões para o seu caderno, mas escrevia junto as respostas! Hoje é um cientista reconhecido internacionalmente.

Outro amigo de infância tinha uma inteligência fora do normal. Tão fora do normal que os esquemas de avaliação de aprendizagem a que éramos submetidos não apontavam sua genialidade. Durante todo o ensino fundamental e médio foi dado como estudante abaixo da média, tanto que ele próprio tinha se convencido disso. Sorte dele que a convicção de que suas habilidades extraacadêmicas nunca se perdera. Diariamente treinava e praticava essas habilidades, criando outras ainda mais pujantes. Hoje é o único milionário de toda a minha turma.

Uma vez apareceu em Alenquer, minha cidade natal, um nordestino com o corpo quase escondido pelas redes que revendia. Periodicamente ele comparecia à agenda da Fazenda Estadual da cidade para honrar seus compromissos tributários. Eu sempre o via trabalhando desde cedo às mais altas horas da noite. Começou como vendedor ambulante, depois como comerciante de local fixo. Hoje é provavelmente o maior comerciante da cidade.

O sonho de um grande amigo era fazer doutorado em economia na Unicamp, um dos melhores do país. Tentou o ingresso durante 14 anos. No décimo quinto, passou. Hoje é um estudioso renomado dos problemas nacionais e muito procurado pelas soluções criativas que constrói. Outra amiga sonhava ser médica, mas estava ciente de suas limitações cognitivas, segundo ela. Levou 22 anos para entrar na faculdade e  hoje desenvolve suas atividades com tanto amor, que é muito querida nas comunidades a que assiste.

Eu poderia relatar centenas e milhares de casos semelhantes para demonstrar uma coisa simples: todo sucesso tem um preço. Ninguém é bem sucedido por acaso. Pode acontecer, e isso é natural, que alguém herde fortunas ou o nome famoso. Mas alguém teve que pagar um preço alto pela fortuna e para construir a fama do nome, e que depois foram transferidas para os herdeiros.

E isso parece ser tão verdadeiro, que todas as vezes que vejo alguém de sucesso procuro entender o caminho que trilhou (o que equivale a dizer "o preço que pagou") para chegar até ali. Em todos os casos, sem exceção, vejo dor, aflição, ansiedade, medo e outras negatividades essencialmente humanas em conjunto com vontade de vencer, resistência a dores e aos sofrimentos, capacidade de se levantar a cada queda e outras inúmeras virtudes que apenas os bem sucedidos têm.

E uma convicção maior enraizou em mim: somos o resultado daquilo que plantamos. Nem mais, nem menos. Veja você. O que você é é exatamente aquilo que você foi capaz de plantar. Então está colhendo e vai colher o que plantou e o que está plantando agora. O sucesso (que muitos chamam de vencer na vida) não pode ser feito por alguém para o outro. É como as necessidades fisiológicas: ninguém pode se alimentar por mim, ninguém pode tomar água por outra pessoa, da mesma forma que ninguém pode tomar para si o câncer que mina a vida de alguém que lhe é muito querido.

É claro que há os sucessos desonestos, como os casos de corrupção e de roubos mesmo. Mas esses não se mantêm por muito tempo, além de serem, em termos quantitativos e qualitativos, exemplos escassos em escala mundial e nacional. Há muito mais gente de sucesso  honesta, que seguiu a lei, do que gente desonesta, que burlou a lei. A razão é simples: mais cedo ou mais tarde os desonestos se encontram com a justiça. E o que era sucesso se transforma em humilhação.

Há, também, inúmeros casos diferentes de sucesso. Há os que conseguiram deixar o vício das drogas, por exemplo. Esses são casos de sucesso que precisariam entrar para os anais da história. É muito, muito difícil fazer o que fizeram. Da mesma forma que são casos de sucessos formidáveis a dedicação da vida a cuidar dos outros, porque é preciso vencer a vaidade e o egoísmo próprios. Também pesam na mesma medida os indivíduos que, mesmo podendo auferir lucros enormes com as oportunidades desonestas, preferem agir em conformidade com a lei dos homens e de suas consciências e se mantêm no caminho do bem. Todos esses (e muitos, muitos outros mais) são casos de sucesso maravilhosos, que estão além do sucesso material.

Lembro do caso muito divulgado do pai que teve o filhinho trucidado por um grupo de criminosos. A grandeza daquele homem foi tamanha que, condenados os indivíduos, ele cuidou de cada um dos que tiraram a vida de seu filho todos os dias em que estiveram presos. Cuidou de todos como cuidara de seu filho e transformou cada um deles em filho seu. Casos como esses são de um sucesso tão iluminado que poucos, raríssimos indivíduos no planeta, conseguem alcançar.

Olhe ao seu redor. Haverá sempre alguém bem sucedido. Vá investigar a origem do sucesso obtido. Você verá que o que estou mostrando neste texto é apenas uma rápida descrição do enorme sacrifício que é cultivar, todos os dias, com dedicação e amor, aquilo que queremos alcançar. Você perceberá que o futuro será a consequência do que você fizer hoje, agora, e todos os dias, a cada hora, a cada segundo.

E tenha certeza de uma coisa: aquilo que você plantar, você vai colher. O mesmo vale para comunidades, cidades, povos, estados, países, nações, planetas e sistemas planetários. Naturalmente que haverá vozes contrárias. Mas muito provavelmente são aquelas que aprenderam, equivocadamente, que o inferno são os outros. Conseguem ver um cisco no olho dos outros, mas nem desconfiam da trave que impede sua visão.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Valores

Dia desses voltei a presenciar um fato ainda bastante corriqueiro: a suposta alteração moral de quem ocupa cargos de chefia. Isso pode causar problemas muito graves para a própria pessoa, assim como para os que com ela têm intimidade. Os problemas para a pessoa são diversos, como o isolamento e até a sabotagem, enquanto que, para os amigos, são quase sempre a frustração, aquela estranha sensação de terem convivido por muitos anos com uma pessoa que não conheciam - e que muitas vezes são tomadas equivocadamente como falsas. Vamos ver isso mais de perto.

Quatro amigos entraram ao mesmo tempo para uma empresa. Viviam e conviviam tanto no trabalho quanto fora dele. Suas famílias pareciam compor uma única família, tal era a intimidade que conseguiram auferir. O problema de um, quase sempre, era tido como problema de todos. Todos se ajudavam, assim como todos se zombavam. Eram felizes e tristes juntos.

Um deles, bastante dedicado, foi promovido a chefe deles e outros companheiros de unidade. As coisas, pouco a pouco, começaram a ficar estranhas entre os três amigos e o seu novo superior hierárquico. E a situação se complicou definitivamente quando um deles, com a intenção de ajudar o amigo chefe, resolveu resolver um problema que teria consequências negativas para sua unidade organizacional e que, provavelmente, afetaria o amigo gerente.

Sabendo da ação do subordinado, o chefe o interpelou. Dentre outras coisas, disse para jamais tomar qualquer decisão sem, antes, consultá-lo. E asseverou seu grande descontentamento com o que o ex-amigo fez, tanto que, se essa atitude se repetir, faria a comunicação à chefia do departamento. Triste, magoado, surpreso, sentido-se traído, o amigo relatou o ocorrido aos outros dois amigos. No final do expediente, foram os três se chorar se embebedando a perda definitiva do amigo.

Mas o que aconteceu? Vamos por partes. Toda posição, qualquer que seja ela, exige determinados tipos de comportamentos de quem a ocupa. Do auxiliar administrativo pode ser requerida a atenção para detalhes de documentos e a rapidez na sua confecção. De um gerente, pode ser cobrado o resultado benéfico de cada ação ou o controle severo de algum processo. Essa é a primeira coisa que precisa ser entendida: mudou a posição, mudou o comportamento, devido à mudança da responsabilidade.

Se o ex-amigo tivesse como superior alguém que cobra controle rigoroso das pessoas (e isso é imoral), processos ou resultados (quase sempre isso caracteriza pessoas inseguras), ele estava apenas cumprindo essa diretriz. Quem a tudo quer controlar não permite a criatividade, porque a criatividade não se controla. Não adianta o empregado ser o mais genial do mundo, se estiver em uma organização mecânica, ela não lhe será de muita serventia. Pelo contrário.

Segunda observação. Uma coisa é a mudança de comportamento em relação à posição e outra coisa é a mudança de comportamento moral. A mudança de comportamento em relação à posição são poucas e existem para garantir efetividade de processos e resultados; as mudanças de comportamento moral são a apresentação, o aparecimento de elementos da personalidade que estavam ausentes e que a investidura na nova posição fez aparecer.

Isso quer dizer que não foi a personalidade da pessoa que mudou para pior. As pessoas não involuem, não retrocedem, não desaprendem (só esquecemos o que não aprendemos). O que aconteceu é que aquele comportamento ruim estava oculto. Pessoas autoritárias podem se passar por anjos durante boa parte da sua vida não porque são desonestas ou dissimuladas, mas porque nenhuma circunstância apareceu para fazer eclodir aquele comportamento repudiado.

As pessoas só mudam para melhor. Quem não tem determinado traço de personalidade, que já aprendeu a superá-lo e a eliminá-lo, jamais o apresentará novamente. Eu imaginava que jamais falaria qualquer tipo de palavrão. E ninguém (e eu também) lembrava qualquer ocorrência minha neste sentido. Até que um dia, fazendo trabalhos domésticos sozinho, soltei um palavrão que me surpreendeu. Isso quer dizer que esse traço ainda permanece em mim.

Terceira e última coisa: quem ocupa cargo de chefia não está lá para resolver o problema de seus subordinados. Um chefe não é chefe para que receba os problemas de seu pessoal. Da mesma forma que o maestro não toca todos os instrumentos dos componentes de uma orquestra, o chefe está ali para coordenar a produção e o processo de produção da unidade. Não está ali para mandar simplesmente.

Como consequência, todo indivíduo precisa aprender a fazer suas tarefas (e a resolver os problemas inerentes a elas) a partir das diretrizes da chefia e da organização. Se a diretriz do chefe controlador for "não faça nada sem me avisar", isso tem que ser seguido. Os chefes modernos, ao incentivarem seu pessoal a inventar formas mais efetivas (de maior eficiência e eficácia), podem despertar neles a criatividade. E ser criativo é incontrolável.

Assim, ao invés do chefe repreender o ex-amigo, se agisse em uma unidade ou organização que privilegiasse a inovação o teria parabenizado, do ponto de vista gerencial. Do ponto de vista moral, que diz respeito à lealdade, amizade e tudo o que a fraternidade representa, teria sido grato para o resto da vida.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Ordinários

Quase ninguém se dá conta de um fato corriqueiro nas nossas vidas: somos extremamente mal agradecidos com os que nos amam. Não que o façamos por crueldade, de forma planejada, deliberada. Não é isso. É nossa mentalidade que se acostuma com o bem que nos é feito de uma forma tal que, com o tempo, o bem nos parece tão corriqueiro e banal que cai no estágio que chamo de ordinário. Ordinário é isso: a normalidade, o corriqueiro, o comum. Mas essa atitude pode esconder profunda ingratidão.

Carmem foi uma garota muito formosa, muito cobiçada pelos moçoilos de seu bairro. Leitora das revistas de adolescentes, vivia a fantasiar o príncipe encantado que a desposaria e a faria feliz para sempre. Diferente dos adolescentes que conhecia, queria alguém que lhe fizesse vencedora, poderosa, uma verdadeira dama. Não importava sua aparência, se fosse preto ou azul, alto ou magro, deste ou de outro planeta. Queria apenas alguém que se importasse com ela.

Passou o tempo. E apareceu por aquelas redondezas um sujeito simpático, bastante culto, e que se encantou com a senhorita sonhadora. À primeira vista, não era o que desejava, mas o tempo foi mostrando que Aurélio se aproximava bastante da dedicação que a jovem sempre desejou. Apreciava a preocupação do jovem com seus estudos, com o cavalheirismo, com a dedicação que lhe tinha. E em pouco tempo se tornaram marido e esposa.

Passou o tempo. A esposa não percebeu que não respondia mais aos bom dia e boa noite do esposo, não notava o esforço do jovem em lhe preparar um almoço diferente e tampouco se a casa estava arrumada, coisa que a ex-adolescente já não fazia mais. Até o choro do filhinho era culpa do esposo, achava ela. Aurélio passou de cavalheiro a indivíduo sórdido, apesar de seus esforços em fazer o bem à sonhadora esposa.

Outro exemplo interessante foi o da instituição que contratou um professor diferente, como todos diziam. Gostava de ensinar. Gostava tanto que, ao invés de falar mal dos alunos nas rodas de conversa com os professores, relatava as experiências bem sucedidas que fazia. Gostava de pesquisar. Gostava tanto que todo ano publicava vários artigos e livros de sua área e de áreas correlatas. Gostava de ajudar. Gostava tanto que suas pesquisas quase sempre se transformavam em soluções para problemas de sua instituição e de organizações parceiras.

Logo no início, quase ninguém acreditava que alguém pudesse publicar alguma coisa por ali. As primeiras publicações encheram os colegas de incredulidade e satisfação. À medida que se avolumaram e se tornaram constantes, as publicações se transformaram em fontes de inveja e ciúmes. A cada nova publicação, praticamente nenhum entusiasmo. Pelo contrário, ironias e piadas de mau gosto denunciavam a mudança abissal do ambiente. Sábio, o professor contratado pediu para sair.

E não eram apenas as publicações o problema. Os alunos ficaram encantados com as formas diferentes de eles mesmos aprenderem que o novo professor lhes ensinou. E o interessante, diziam-se, é que todos estudavam sozinhos todo o conteúdo da disciplina e mais o que não estava previsto ali. O professor funcionava como um grande maestro, tirando de cada um mais do que podia dar, motivando e liderando aquela massa de jovens em direção ao pleno aprendizado. Ninguém queria fazer a disciplina com outro professor que não fosse aquele forasteiro. E mais conflitos e intrigas aconteceram. Era hora de sair. Intermediou a volta à normalidade. E saiu.

O que se vê nesses exemplos é a perda do encanto inicial. A jovem sempre sonhou com alguém que fosse cavalheiro, mas não conseguiu conviver com alguém assim. A instituição há muito desejou um exemplo de professor, mas não estava preparada para conviver com um deles. Temos sempre a horrível atitude de imaginar que esses anjos são nossos escravos quando eles resolvem fazer parte das nossas vidas. Perdemos a grande oportunidade de aprender com eles. Aprender a ser como eles.

Nossos olhos ainda não estão preparados para ver pessoas elevadas. Quem já se elevou moralmente não fica como acólito bajulando os outros. Não vieram para as nossas vidas para outra coisa que não seja nos ensinar a amar. E amar não é falar "eu te amo" todos os dias. Amar é cuidar. E é isso o que essas pessoas extraordinárias fazem. Cuidam da gente ao nos ensinar como deveríamos ser ou fazer as coisas.

A jovem não conseguia ver a poesia que estava por trás de um almoço feito com delicadeza e tampouco os versos que faziam parte de tudo o que o jovem lhe fazia. Da mesma forma, a instituição não conseguiu perceber a sinfonia que o professor forasteiro estava apresentando, a não ser os seus alunos e instituições que publicavam seus textos. De tão cegos, não conseguimos ainda ver o óbvio: o quão rasteiros somos para elevar nossos olhos para o alto e nos encantar com o luzir das estrelas que por alguns momentos iluminam nossos caminhos, tornando-os, de extraordinários, em ordinários.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...