terça-feira, 31 de dezembro de 2019

E a tua contribuição?

Talvez a maior causa dos conflitos humanos seja a falta de contribuição de algumas pessoas para com os esforços dos demais. Ou a contribuição aquém do esperado, segundo a percepção de algum dos indivíduos do grupo. Essa assimetria entre o esperado e a contribuição efetiva intensifica no cérebro o descontentamento. Daí para a emergência do conflito é um pulo.

Quando os indivíduos apenas formam grupo, a assimetria das contribuições muitas vezes é relegada a segundo plano. A razão disso é que todo grupo é apenas reunião de pessoas, estar juntos, física ou virtualmente, como nos tempos contemporâneos pela internet. O grande atrator dos grupos é o sentimento de pertença, estar perto, relacionamento. O grupo se torna uma espécie de meio para fins individuais.

Nos grupos, portanto, quando o comportamento de um passa a incomodar outro, geralmente há a reclamação; se o incômodo continua, quase sempre há a retirada do indivíduo que gera o conflito ou os incomodados se retiram. Há casos, naturalmente, que se transformam em conflitos, e até os que geram homicídios, mas são exceções.

Os conflitos são mais frequentes quando os grupos são organizações. Uma organização é todo agrupamento humano (portanto é um tipo de grupo) que tem pelo menos um objetivo em comum negociado entre seus membros. Uma família é um tipo de organização porque há mais de uma pessoa (é um grupo) com objetivo determinado (existem para realizar alguma coisa) em que cada membro tem que desempenhar alguma função (cada indivíduo precisa ter alguma responsabilidade).

A partir dessa definição é possível constatar que há famílias que não são organizações. Isso significa que seus membros não sabem qual é a razão de sua existência, que objetivos pretendem alcançar conjuntamente. E alcançar objetivos de forma conjunta significa que cada um dos membros precisa ter clara a sua contribuição para que o objetivo seja alcançado. Se algum indivíduo familiar não sabe o que tem que fazer, ele não faz parte da organização; não é, efetivamente, membro da família. Ele apenas faz parte do grupo.

É por isso que há conflitos, por exemplo, entre os pais. Há pai que não sabe qual é a sua contribuição familiar. Pensa que sua responsabilidade termina com a entrega de dinheiro para a esposa pagar as contas e suprir as necessidades de todos ali, fazendo-a informalmente empregada doméstica. Acha que não tem responsabilidade do carinho para com os filhos (e com a esposa, naturalmente), cuidado com as tarefas escolares e disciplina dos filhos, dentre outros afazeres essenciais. Essa é uma grande causa de conflitos nos lares.

Mas há esposas que acham que sua responsabilidade é apenas dar à luz. Depois que trouxe filhos ao mundo, sua responsabilidade parece cessar e se transforma em amiga dos filhos. Quando trabalham, muitas vezes adquirem a mentalidade de homem, pensando que apenas pagar as contas resumem suas obrigações. Não percebem que, sendo ou não empregada oficialmente, precisam dividir as tarefas com os demais membros da família, o que inclui marido, filhos e outros agregados.

Filhos bem educados têm responsabilidades desde crianças. Com poucos anos de idade já podem guardar seus brinquedos, contribuindo com o objetivo familiar de "deixar o lar organizado". Também já podem colocar a roupa suja no lugar adequado para depois ser lavada, contribuindo com o objetivo familiar de "Estar sempre limpo e asseado". À medida que crescem podem ajudar a limpar a casa, lavar a louça e a roupa, e assim por diante. Sempre, sempre é fundamental que cada um dê a sua contribuição. Ao contribuir, as possibilidades de conflitos são mínimas.

Nas organizações, quando cada indivíduo é contratado é-lhe dito exatamente com o que ele deve contribuir. Professores são instruídos a "lecionar 20 horas semanais", "realizar pesquisas durante 10 horas semanais" e "planejar suas atividades por 10 horas semanais". Instituições mais profissionalizadas vão mais longe e dizem exatamente o tamanho e qualidade da contribuição, como é o caso do indivíduo que foi contratado para "publicar 5 artigos científicos por semestre em revistas qualificadas com pelo menos B1 no Qualis/Capes na área de Ensino".

Procure ver quem é o membro da sua família com quem você mais se afina. Se você contribui muito, provavelmente você vai se ver em quem contribui tanto quanto você; se você acha que alguém é folgado, que não trabalha, provavelmente você tem conflito com ele. Se você contribui com muito pouco ou você é o folgado da família, provavelmente você não se dê muito bem com quem sustenta a família ou tem bastante inveja dessa pessoa (ou as duas coisas ao mesmo tempo).

Analise os membros do seu trabalho. Se você faz apenas o que o emprego pede, provavelmente você não vê com bons olhos aquele colega muito produtivo e entusiasmado para o trabalho. Talvez você até monte nele, quando tem oportunidade. Provavelmente vocês não se bicam.

Por que isso? É porque a gente se agrupa por afinidade. Não são os contrários que se unem, como a fantasia social prega. Trabalhador se afina com trabalhador. Quanto mais alguém contribui com seu esforço, mais pessoas que gostam de contribuir procurarão se unir a ela. Por outro lado, quanto mais alguém contribui, realiza feitos interessantes, maior a possibilidade de ser alvo de ódio, indiferença e chacota dos que não gostam tanto assim de contribuir.

Olhe à sua volta. Aquele com quem mais você entra em conflito muito provavelmente é o seu oposto. Aquele com mais você se afina é o retrato mais acabado de você. Quem mais bate palma para você é o mais parecido contigo e vice-versa. Por isso, muito cuidado com quem você elogia sempre e com quem você tenta denegrir constantemente. Suas atitudes dirão o quanto contribuis para a organização a que pertences.

Um comentário:

JACKSON PANTOJA disse...

Parabéns Daniel, você apresentou uma visão adequada sobre os grupos e a necessidade da contribuição dos seus membros.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...