domingo, 22 de dezembro de 2019

Deveres

Pode até parecer um contrassenso, mas não são os direitos que fazem a humanidade avançar em civilidade, mas sim os deveres. Os direitos, no máximo, servem para garantir que os deveres até então praticados ou exemplificados se consolidem. Os direitos representam, portanto, a codificação do avanço nos deveres efetivamente praticados e os resultados maravilhosos que são capazes de proporcionar. Quanto mais alguém é capaz de cumprir com os seus deveres, mais brilhante e luminoso efetivamente será.

Um dever é um tipo de responsabilidade moral que o indivíduo tem para consigo mesmo. Quando falamos em moralidade estamos nos referindo aos atos considerados belos e justos em forma de prática de um ideal de ação perfeita. Dessa forma, a perfeição moral é chamada de ética, enquanto a prática real que se aproxima ou se afasta desse ideal é chamada de moral. Uma ação moralmente bela e justa que parta da vontade do indivíduo em praticá-la é o que chamamos dever.

Isso significa que há ações morais que não partem da vontade espontânea do indivíduo, como é o caso daqueles impostos pelas leis. Há deveres, portanto, que vêm da lei. Esses tipos específicos de deveres representam uma garantia para os outros de que as pessoas terão que agir de determinada forma. É "proibido matar" representa o dever de não matar, consequentemente, um direito a todos de não serem mortos voluntariamente por outrem.

Mas o direito que vem com a imposição legal de não matar é a consequência da prática efetiva desse proceder por alguns indivíduos e comunidades. Os legisladores perceberam que os indivíduos que se abstêm do poder de matar os outros, assim como os grupos a que pertencem, são mais felizes porque têm mais segurança de que a vontade dos outros não vai redundar em suas mortes. É que quem mata os outros é sempre uma quantidade menor de pessoas que convive na sociedade. É preciso conter os poucos para garantir a vida dos muitos. Mas o dever do direito pode ser negligenciado, e os direitos correspondentes, não praticados.

Então, a prática do dever de não matar de alguns indivíduos e de suas comunidades levou outras comunidades a criar leis p ara que esse dever fizesse parte de suas realidades. E isso vale para todos os outros tipos de ações voluntárias para o bem. É que todos os deveres justos e belos são sempre do bem. E quanto mais as pessoas "inventarem" deveres justos e belos, mais e mais elas serão felizes e suas comunidades também.

Qual é a diferença, então, de uma cidade em que a insegurança predomina, onde a saúde e a educação não funcionam, e outra em que há paz, harmonia e todo o setor público funciona? Você vai perceber que o dever é a diferença. Em cidades, bairros, ruas e quadras que há beleza, paz, civilidade e tudo o mais que representa um bem as pessoas que ali vivem praticam de fato o bem. Nas cidades onde o bem não é praticado, tudo é muito feito, triste, sujo, descuidado.

Veja em casa, na sua casa. No quarto onde seus irmãos dormem, se eles forem organizados, limpos, higiênicos, bondosos, tudo ali será organizado, limpo, higiênico, suave, pleno de leveza; nos quartos onde não o forem haverá roupas pelo chão, toalhas molhadas na cama, cuecas e calcinhas penduradas no banheiro, gavetas desorganizadas, roupas nos armários amarrotadas e tudo o mais. Onde o dever está presente, há amor, porque amar é agir; onde o dever está ausente (ou onde apenas o direito é cobrado) não há amor, porque amor é ação, é prática.

Veja as cidades ricas. São ricas não é porque exploram os outros, como muitos querem desesperadamente que a gente acredite. São ricas porque produzem coisas, fazem coisas, que estejam o mais próximo possível daquilo que as pessoas desejam. E quanto fazem essas coisas têm sempre em mente como gostariam que fizessem para elas. Então, elas pensam nelas mesmas quanto estão fazendo as coisas para os outros. E por isso as pessoas gostam das coisas que essas pessoas fazem, porque se parecem com elas.

Veja as cidades e bairros miseráveis. As pessoas jogam lixo nas ruas, porque acham que é obrigação do prefeito limpar; as pessoas não limpam suas casas todos os dias, porque há sempre alguém pensando que isso é obrigação dos outros; as pessoas não limpam os lugares onde dormem, porque suas mentes acham que isso não é importante. A maioria das pessoas que habita essas cidades e bairros e casas ainda não aprendeu a força do dever.

Se há lixo na rua, eu tenho que limpar; como consequência, não posso jogar lixo na rua. Se não tem emprego no meu bairro, eu tenho que inventar algo que possa dar emprego aos outros agora ou no futuro; como consequência, tenho que incentivar a criação de empregos e a produção dos que fazem isso. Se alguém cuida faz o bem todo dia, eu tenho a obrigação de pelo menos admirar esse gesto bom; mas se eu for inteligente o suficiente, terei que imitar o gesto pelas coisas boas que isso traz.

Veja todas as guerras que já aconteceram na humanidade e que estão acontecendo hoje. São todas disputas por direitos. Todos querem ter direitos e não admitem os direitos dos outros. Todos querem, querem e querem; ninguém se coloca no dever de servir. Quem não serve não progride. O progresso é consequência do servir da maioria da população de uma comunidade.

Veja os períodos de bonança e felicidade humanas. Todos foram construídos quando os povos ampliaram seus deveres, levando o bem para o maior número possível de pessoas. Além de acabar com as guerras, os deveres ampliam os espaços e formas de convívio e fraternidade.

Como se pode ver, não brigue por direitos. Aja. Faça o bem. Como mostrou o Cristo há milhares de ano, é aquilo que você faz que vai garantir a solidez das tuas explicações, ainda que sejam por parábolas, porque as pessoas que amam os direitos (e abominam os deveres) têm limitações de raciocínio e compreensão. E essa é a consequência natural: quem age em conformidade com deveres amplia sua capacidade neuronal e mental, em detrimento dos que se apegam a direitos.

Assim, se queres ser livre e iluminado, faça o bem em todas as circunstâncias. Fazendo o bem sempre você estará garantindo uma coisa que é vital aos que não fazem o bem: a realização dos direitos que eles desejam. E estarás fazendo a grande recomendação do rabi galileu: vigiar.

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