segunda-feira, 3 de junho de 2019

Visão Limitada

Se tem uma coisa que pode ser considerada natural em todos os seres humanos é a sua limitada capacidade de ver e perceber as coisas. Somos imperfeitos. E a principal característica da imperfeição é justamente a nossa limitação. No entanto, ao invés disso ser visto como algo triste ou ruim, representa também um desafio que podemos nos colocar, que é o de ampliar os nossos limites. Isso é mais uma confirmação de que tudo o que se nos apresenta como algo ruim, de fato, não o é. Ser limitado, portanto, é a sinalização de que podemos nos ampliar. E ao realizar a ampliação, podemos ver e perceber melhor.

Meu filho de cinco anos fez recentemente duas grandes descobertas. Primeiro ele descobriu que toda conta de subtração parte do todo para as partes. Diminuir é retirar certa quantidade de um todo. Por exemplo: se tenho 15 laranjas e retiro 10, sobram 5. Ele ficou maravilhado com o esquema lógico: as coisas diminuem de tamanho porque perdem suas partes. Na verdade, não é bem uma perda, mas uma distribuição, uma forma de divisão, compartilhamento, como certamente ele descobrirá mais tarde.

A segunda descoberta foi no sentido contrário: somar começa com as partes e termina com o todo. Ele descobriu isso todo feliz ao ver que as 8 pedras de dominó que tinha nas mãos se transformaram em 12, quanto sua irmãzinha de 3 anos lhe deu as 4 que estava segurando. Ele tinha uma parte das pedras e sua irmãzinha outra parte. Quando juntaram suas partes, formou-se um todo, muito parecido com o todo das contas de subtração, que ele aprendera antes. Somar é crescer, descobriu entusiasmado.

Sua irmãzinha ainda não consegue raciocinar nesse nível de abstração. Ela só consegue ver as pedras que tem nas mãos ou nas mãos do irmão. Está impossibilitada, ainda, de ver a soma delas. Não tem ideia de todo e de partes. Sua visão está restrita apenas às partes (que é o mesmo que dizer o todo que cada parte, sozinha, representa). É só isso que ela percebe, por enquanto.

O que minhas duas crianças estão aprendendo é o segredo das coisas. Um segredo muito profundo que, infelizmente, poucos pais têm condições de compartilhar com seus filhos justamente porque lhes falta esse tipo de visão. Isso não quer dizer, contudo, que não compartilhem seus segredos, suas outras visões com seus filhos. Estou apenas querendo dizer que essas coisas complicadas são de consciência (que é a percepção ampliada e aprofundada) de poucas pessoas no planeta terra, de tão difícil que é compreender.

E o segredo é: tudo na vida tem diferentes formas de estar certo. Veja alguns exemplos. Se tenho 10 laranjas e dou 5, fico com 5. Se tenho 8 bananas e dou 3, me restam 5. Se tenho 30/3 de melancias e dou 15/3, fico com 5 melancias. Portanto, há infinitas formas de chegar ao mesmo resultado: 5 objetos.

O mesmo acontece com qualquer coisa. Digamos que quero saber como resolver o problema do analfabetismo. Faço meu estudo e demonstro minha solução a partir do caminho A. Outro cientista, com o mesmo intuito, demonstra que o caminho B é tão viável quanto o meu, apesar de seu caminho ser contrário ao meu. Ele está errado? Estou certo? Não. Cada destino, cada chegada, cada objetivo apresenta inúmeras possibilidades de ser alcançado.

Vejamos outro exemplo. Tem gente que acha que a filosofia do autor Alfa é a mais humana que existe, por n motivos, mas há quem considere que a filosofia de Beta é que é a mais humana, por z motivos, da mesma forma que muitos acham que é a filosofia de Gama a mais humana, pelos motivos y. Só que tem um porém: cada filosofia é contrária às outras. Estão todos errados? Não.

Os fatos e fenômenos do mundo apresentam inúmeras nuances, de maneira que cada indivíduo consegue ver apenas uma delas, isoladamente. É como olhar um automóvel. Quem está na esquerda não consegue ver o que está na frente, atrás e na direita, nem embaixo e nem em cima. Quem está embaixo do carro não consegue ver o que as pessoas que estão na esquerda, direita, na frente, atrás e em cima veem. E todas elas veem coisas diferentes uma das outras. Elas estão erradas? Não. Todas descrevem verdadeiramente o que existe. A diferença é apenas a perspectiva.

Muitos de nossos cientistas e filósofos (e praticamente todo o restante da população do planeta) parecem nem desconfiar disso. Ficam na infantilidade de imaginar que o que veem é o todo e que o que os outros veem não existe, é fantasia, ilusão. É isso o que se chama arrogância: achar que o que veem é a única verdade; prepotência é querer enfiar goela abaixo essa visão monolítica e limitada das coisas.

Pessoas com visões monolíticas não aceitam as visões discordantes dos outros. São ainda tão limitadas que é preciso muita paciência para lidar com elas. Diferentemente da forma como tratam os outros, precisamos, ao lidar com elas, compreender suas limitações. Não carecem de desprezo, porque desprezo é coisa de quem tem visão limitada. Precisam de carinho e compreensão, esses dois ingredientes fundamentais para ampliar a nossa visão limitada.

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...