quinta-feira, 6 de junho de 2019

O Mais Poderoso

Durante toda a história da humanidade nos transmitiram a ideia de que o poder é a capacidade de influência que A exerce sobre B para que B faça coisas que, sem essa influência, jamais faria. O homem de corpo avantajado teria mais poder que o franzino, porque poderia utilizar sua influência física (coercitiva, melhor dizendo) para obrigar o outro a lhe obedecer, como fazem muitos chefes de narcotráficos. O chefão da minha empresa tem poder sobre mim porque eu assinei um documento dizendo que eu o obedeceria todas as vezes que ele quisesse que um dos itens de uma lista de responsabilidades minhas fosse executado, poder esse que apelidamos de racional-legal. Esse tipo de poder tem inúmeros outras fontes, além da força física e da lei, como a beleza física, a riqueza material e o conhecimento. Mas parece que as coisas não são bem assim. É provável que isso não seja poder.

O conhecimento que vários campos do conhecimento, especialmente os relacionados ao cérebro, à psique e à espiritualidade, parecem indicar o contrário. Não seria a capacidade de influência a evidência empírica do poder, mas um fenômeno quase insignificante de tão simplório: o servir. Essa concepção é tão revolucionária que uma máxima simples pode ser constituída: Tem mais poder quem mais serve ou o mais poderoso é o maior servidor.

Vários motivos concorrem para essa concepção revolucionária. A primeira é que a subjugação não é o fenômeno predominante no universo para a edificação do equilíbrio que subjaz a tudo. Aquele que subjuga demonstra não poder, mas infantilidade justamente pela sua incapacidade de se relacionar de forma dialógica. O subjugador não é, propriamente, um sujeito pleno, porque lhe faltam conhecimentos e habilidades de compreensão e construção de consenso.

A segunda constatação é decorrente justamente do desequilíbrio de forças. A assimetria de poder é perigosa. O subjugado pode se transformar em traidor. A subjugação pode esconder, por baixo da disciplina e da obediência, um provável inimigo. Como advertiu Maquiavel, daquele que nos ama não esperamos qualquer ação nociva, ainda mais quando esse amor é falso, aparente.

A terceira demonstração é que os avanços civilizatórios não se faz com subjugação, mas com autonomias interdependentes de sujeitos. Imaginamos equivocadamente que as guerras é que fazem os progressos. Não é verdade. As guerras são consequências justamente do predomínio da mentalidade do poder como subjugação e elas terminam justamente quando grupos se unem em relações mais ou menos simétricas para fazer frente aos grupos que lutam pela assimetria. É a união que provoca a paz; a desunião a desfaz.

Outros motivos há para desconfiar dessa herança de mentalidade que coloca a influência como origem do poder. Mas vamos ficar com apenas esses três porque são os mais evidentes e os mais fáceis de servir de reflexão nas nossas práticas cotidianas e históricas.

Parece que a maior demonstração de poder é a capacidade de alguém em fazer coisas. E quanto mais encantadoras e maravilhosas essas coisas, maior é o poder que esse indivíduo detém. E se essas coisas proporcionarem a felicidade e o bem estar de alguém, mais louvável parece ser esse poder. E se essas ações beneficiarem e forem admiradas por um número muito grande pessoas, certamente essa pessoa poderá ser considerada poderosa.

A capacidade de agir no bem, como demonstram os ditames da contemporaneidade, é o que marca a essência do poder. E agir no bem tem uma evidência empírica incontestável: é sempre dirigida para benefício de outro. Agir no bem é uma ação de alteridade, visa ao outro, o benefício de outrem. E agir em benefício do outro é servir.

Fazer coisas é consequência do saber. Se alguém sabe lavar pratos e lava os pratos para alguém, faz o bem para esse alguém; se sabe promover a paz entre as pessoas e efetivamente torna inimigos amigos, todas as vezes que o faz está fazendo o bem, está servindo. A cada coisa que se saiba fazer e que se faz em proveito do outro, estará sempre sendo exemplo dessa visão sobre o poder.

Há indivíduos, portanto, que sabem fazer muito poucas coisas. Muitos são até geniais nas únicas coisas que sabem fazer, como os jogadores de futebol e enxadristas; outros sabem fazer muitas coisas, muitas mesmo, desde limpar privadas e cozinhar a cálculos complexos de matemática e esquemas complicadíssimos de explicações científicas. Quanto mais coisas alguém sabe fazer, maior é o seu potencial de fazer o bem, maior a probabilidade de ter poder.

Uma coisa é saber fazer, outra é fazer. Sei andar de bicicleta, mas não pratico há décadas. Há quem saiba consolar as pessoas, mas fazem essa prática apenas raramente. Mas todas as vezes que alguém pratica o que sabe em benefício de outro estará demonstrando poder, ainda que o beneficiado não valorizar o bem recebido (e isso é muito corriqueiro). Poder de fazer. Poder de servir. Poder de ser acionado sempre que necessário.

O indivíduo poderoso, portanto, não é o que subjuga os outros. Quem subjuga provavelmente só sabe fazer isso: subjugar. Aquele que age de formas variadas para produzir o bem, que tem grande estoque de conhecimentos e os utiliza efetivamente quase sempre, tem um poder de mobilização, influência, referência, atenção, consideração e uma série de características subjetivas que lhe são benéficas que lhe transformam em pessoa muito poderosa. Muito mais poderosa do que quem tem o poder de influência. Aliás, o poder do bem influencia até quem tem o poder de influência. É muito mais poderoso

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