quarta-feira, 8 de maio de 2019

Entendendo a Crise

A crise é um fenômeno ainda muito pouco compreendido. E a consequência que esse desconhecimento traz é quase sempre perverso e se converte na geratriz de inúmeros problemas que agravam a vida individual e das coletividades. Isso confirma, mais uma vez, que a ignorância é a causa maior de todos os males e que a aprendizagem, por sua vez, configura-se em grande antídoto. Mas o que é crise?

A crise é apenas a convivência simultânea de dois conjuntos de valores. Um desses valores já foi preponderante no passado próximo, enquanto o outro se prepara para assumir a preponderância no futuro que se vislumbra no horizonte. Quem convive com esses dois conjuntos de valores não sabe qual usar para orientar suas condutas, suas crenças, sua cultura: se se aventura com os vislumbres ou continua a seguir os ditames pretéritos.

Os períodos de crise sinalizam, de forma inquestionável, o caráter mutante da vida, da natureza, do mundo. Sem as crises, tudo permaneceria como sempre. Crise significa alteração, mudança, renovação, esperança. Evidentemente que os que imaginam perder com as mudanças, além de se desesperarem, procurarão a todo custo conter o que está sendo mudado, enquanto os que consideram que terão alguma vantagem, procurarão acelerá-la, torná-la efetiva. Essa é dança da vida.

Os que desejam a perpetuação do presente estão errados? Efetivamente, não. Todos têm o direito de se apegar a tudo o que suas mentes sinalizam. Negar a cada um o direito de contestação é tão perverso quanto não a posição contrária, daqueles que querem a mudança efetiva. É preciso, portanto, entender essas diversas formas de ver e lidar com a crise, com os períodos críticos.

Os que desejam a mudança são perversos? Novamente a resposta é não. É bastante provável que suas posições relativa à aceitação e desejo que uma nova realidade se edifique seja decorrente da insatisfação em relação à realidade presente. O desejo de futuro muitas vezes é apenas a necessidade percebida de que o futuro pode ser mais promissor do que a realidade atual. Ainda que o presente seja interessante, a aposta no futuro pode sê-lo ainda mais.

Há sempre três conjuntos de forças agindo nos períodos de crise. A primeira é relativa àqueles que não querem mudança, que são justamente os beneficiados com a realidade presente e que vêem a mudança como perda de suas benesses; a segunda é a dos descontentes, que vêem na mudança a possibilidade de satisfação; e a terceira é a dos beneficiados que vêem nas mudanças mais aquisições de satisfações.

Dois conjuntos de forças se unem para que as mudanças se efetivem, pondo fim, temporariamente, à crise: a dos insatisfeitos e a dos que desejam mais benesses. É por isso que na maioria das vezes as mudanças se processam de forma mais veloz, quando essas forças se unem. Mas também, é digno que se perceba, que o que faz a mudança reduzir sua velocidade também é a convergência dos interesses de duas dessas forças, a dos que ganham com a situação presente e a dos que temem que o futuro lhes seja pior.

Essa dinâmica precisa ser compreendida por todos. Depois de compreendida, precisa ser testada, para aferir suas validade empírica, prática. Os interesses, em maior ou menor grau, é que determinam o esforço para mudar ou para não mudar. E esses interesses, que podem ser visíveis, estão vinculados a mentalidades, formas de pensamentos, que não são visíveis, mas que podem ser percebidos indiretamente, principalmente pelos discursos e ações humanas.

Os interesses e mentalidades fazem parte de todos, são elementos humanos intrínsecos. E não importa que seja preto, negro ou amarelo, alto ou baixo, portador ou não de necessidades especiais, estrangeiro ou compatriota. Aliás, quando alguém teima em dizer que os que desejam mudanças são a elite, maioria ou qualquer termo neste sentido ou está sendo desonesto ou está demonstrando seu desconhecimento da dinâmica das crises.

O fato é que as crises sempre representam um avançar no tempo, nas coisas, nas mentalidades, nas culturas, nas crenças. O tempo urge para diante, quer queiramos ou não. As coisas mudam para melhor sempre, se soubermos lidar com a dinâmica da crise para fazer o bem para nós e para os outros, ou para pior sempre, se resistirmos ao bem e focalizarmos ações prejudiciais a nós e aos demais.

A crise em si, portanto, não é boa, nem má. O que é bom, mau ou qualquer outro adjetivo que se lhe queira dar é apenas o nosso juízo de valor daquilo que faremos ou deixaremos de fazê-lo em relação às mudanças de valores que se processam. O mais adequado, portanto, é refletir sobre a realidade mutante para orientar nossas ações. E quanto mais benéficas forem elas, mais os ventos que chegam poderão nos beneficiar a todos. Afinal, somos a consequência das crises pretéritas, das mudanças que aconteceram. Se não houvesse crises, não existiríamos.

Nenhum comentário:

Desiguais

Talvez a igualdade seja o grande sonho da humanidade. Muitas comunidades chegaram a implementar relações igualitárias efetivas, ainda que, p...